domingo, 4 de janeiro de 2015

Viajar na Maionese

Nem bem o ano começou e já arrumo uma pendenga com o quadro descrito e diagnosticado neste blog, o Deficit de Atenção e Memória de Garçons e Garçonetes (associado ou não a Surdez Seletiva). Desta vez o problema não foi com meu Pão na Chapa. Foi com meu Beirute, numa lanchonete de Shopping. Desta vez, eu nem estava com muita fome, mas a demora foi me deixando inquieto. Aquela orgia de batatas, onion rings e milk shakes que íam sendo distribuídos pelas mesas adjacentes estimulou mesmo a fome adormecida. Lembro bem da garçonete que nos atendeu, uma moça com o rosto bonito e um excesso de peso que se concentrava na região abaixo de sua cintura. Finalmente, saí de minha passividade brasileira e reclamei para outra mocinha que as mesas ocupadas depois de nossa chegada já estavam servidas e a nossa, nada. O que estava acontecendo? A moça se apressou em confirmar que estavam com problemas na impressora, e que a garçonete que anotou nosso pedido deveria ter notado o engano e refeito a ordem. Veio o gerente suado se desculpar e o pedido levou finalmente quarenta minutos após a solicitação inicial para chegar à mesa. Quem veio entregá-la foi a mocinha popozuda que havia originalmente anotado o pedido. Ela não notou o atraso e nem a nossa cara de bunda quando a comida finalmente chegou. Perguntou se tudo tinha vindo de maneira correta e saiu ventando para atender mal outra mesa. Olhando mais detidamente, pude perceber a expressão de desagrado discreto da moça, além de um ar meio distante, de quem faz tudo no piloto automático. Piloto automático que causa o esquecimento de bebês no banco de trás dos carros.
Vivemos uma mitologia hollywoodiana que todos seremos especiais, teremos nosso talento único reconhecido ou seremos descobertos em meio à nossa labuta para finalmente termos o destaque e o reconhecimento merecidos. Quem sabe quais são os sonhos que passam na cabeça daquela moça enquanto ela erra alguns pedidos? Será que ela sonha com um grande amor, faz faculdade pela manhã e trabalha à noite para sustentar a sua filha ou uma mãe doente? O fato é que sonhamos com o dia em que a sorte vai virar e teremos direito aos nossos quinze minutos de fama, e isso transforma o trabalho anônimo e repetitivo uma espécie de não vida, um hiato de sofrimento, até finalmente poder soltar o cabelo, passar um batom e pegar a condução para casa.
Não tenho dúvida que o trabalho está perdendo a sua dignidade, mas, acima de tudo, o seu sentido. É um estorvo que deve ser eliminado como uma coceira da qual se deve eliminar com a unha. A má notícia é que, por mais livros de autoajuda consumidos, não criamos a nossa própria realidade. Freud dizia que uma tarefa da Psicanálise é fazer, justamente, o sujeito aceitar e lidar com essa instância do Real, em vez de se manter em estado de Negação, esperando que as abóboras se transformem em carruagens ou que o que o bilhete da Mega Sena esteja premiado, finalmente.
O que eu proporia para a moça, além de ficar muito atenta ao meu Beirute de Filé de Frango? Eu diria para ela que é muito provável que ela não vai virar uma estrela de novela, nem vai encontrar a curto prazo um emprego de seus sonhos. O melhor que ela tem a fazer é anotar os pedidos, servir as mesas e distribuir sorrisos com Atenção Plena, como se a sua vida dependesse disso. Essa nova atitude não deve mudar muita coisa nos aspectos externos de sua vida. O gerente pode nem notar a mudança de atitude. Alguns clientes continuarão grosseiros e terão algum gosto em tentar tirar o sorriso de seus lábios. Mas garanto que, no final do dia, as coisas vão estar mais leves e quase com algum sentido. Talvez a responsabilidade de devolver o sentido ao trabalho não deva ser do RH, nem de alguma consultoria, nem de um guru motivacional urrando os seus “Vamo´lá” em alguma palestra encomendada. Talvez a motivação seja fazer as coisas redondas e corretas. Pelo simples prazer de fazer.
Gostaria de deixar registrado que pedi, ao final do lanche, um X-Salada para viagem, com maionese no sanduíche, não separada. O pedido veio errado, e fui embora com o passo apertado e a maionese separada.

2 comentários:

  1. Mestre,

    Nos meus 40 anos de trabalho, sempre adotei o lema "Se merece ser feito, merece ser bem feito". E assim foi.

    Lendo agora sobre Mindfulness, sua frase genial sobre Atenção Plena retrata exatamente esse sentido: "Talvez a motivação seja fazer as coisas redondas e corretas. Pelo simples prazer de fazer."

    S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L !!!

    Grande 2105 pra Vc !

    Edison

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  2. E grande 2015 também !!! :-) Edison

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