quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Três Caminhos

Aproveito esses dias de folga para acabar alguns dos dez livros que estão inacabados em minha cabeceira. Um deles é “O Monge e a Psicanalista”. Não sei se o título aproveita o best seller “O Monge e o Executivo”, uma tentativa pop de aproximar alguma espiritualidade da prática da liderança nas corporações. Este encontro entre uma psicanalista francesa e um monge beneditino, nos anos sessenta, dentro e fora do mosteiro, na agradável casa de amigos em comum, é bem diferente. É um embate amoroso, mas inconciliável entre duas formas diferentes de fé, a Cristã e a psicanalítica, embora no limite as duas busquem a mesma coisa, que é a diminuição do sofrimento humano. Mas não vou me enfiar em questões dessas diferenças, que renderam algumas cacetadas da psicanalista judia no monge cristão. Vou falar de uma questão importante, levantada pelo monge, que serve como reflexão no último dia do ano.
O livro não é fácil, assim como o debate, excessivamente intelectual e francês, o que cansa de vez em quando. Quando estão falando sobre Rimbaud, poeta muito caro a ambos, o monge afirma que a frase deste poeta: “O Eu é Outro”é, na verdade, uma afirmação do homem inteiramente só, no seu eterno narcisismo. Não sou eu quem vai fazer a leitura dessa frase/equação simbólica, mas a entendo como a busca infinita pelo Eu que está fora de nossos pensamentos, fora de nosso campo de Ser dedicado aos nossos medos e inseguranças. O Outro que sou Eu é o Ser maior que nos habita e de vez em quando, muito de vez em quando, se manifesta. Pois o monge achou que a frase contém toda a miséria do Eu perdido dentro de si mesmo, que não busca o encontro. Deus se faz no encontro, o que poderia ser descrito pela equação “Deus é Outro”, isto é, o Infinitamente Outro que encontramos, ou não, em nossa busca. A psicanálise, que trabalha o encontro do sujeito com a sua verdade íntima seria, por esse raciocínio, a maior das perversões, pois coloca esse Eu perdido dentro de si e apartado do Outro, que é o irmão a quem eu devo amar e encontrar. O psicanalista se retira desse encontro uma vez que não responde amorosamente ao paciente, mas possibilita, em seu silêncio, essa escuta do Outro que sou Eu. Para quem está achando esse texto difícil, sugiro não ler esse livro.
Para me socorrer nesse diálogo que não é um diálogo, vou para o Budismo, de novo. Sei que as minhas incursões são perigosas e estrangeiras, outro dia levei um pito de um leitor desse blog porque escrevi Mindfulness errado. Mas vou continuar me metendo a besta, é uma característica minha, ou do Outro que não sou Eu.
O Budismo fala de três sendas, ou caminhos que podem te levar à Iluminação : Buda, Darma e Sangha. Isso resolve esse debate. O caminho sem dúvida belo que o monge descreveu é Sangha. O Novo Testamento tem a frase: “Quando dois ou mais estiverem reunidos em meu Nome, lá estarei entre eles”. Ponto para o monge. Ou para o Sangha: a experiência do encontro é a experiência inicial do divino em nossa vida. Mas Jesus também passou quarenta dias no deserto, para encontrar quem ele queria, e não queria, dentro de si. Esse é o Buda. Jesus também pediu no Monte das Oliveiras para ser poupado de todo o sofrimento que viria, mas acabou percebendo que precisaria viver a dor e, sobretudo o Mistério, que seria o seu caminho. Este é o Darma. Podemos passar por esses caminhos, todo dia. Ou por nenhum deles.
Buda é o caminho do encontro profundo com o Infinito, que está dentro de cada um. A Meditação é uma das formas de aprofundar esse Encontro. É uma busca pessoal e solitária, contrária a o que imagina o monge como caminho perfeito. Sangha é a busca do Divino, ou do Transcendente, nos olhos do Outro, no encontro amoroso com os amigos ou com os irmãos que partilham da tua mesa. Darma é a manifestação de sua missão ou vocação profunda nesta vida, que te empurra a levantar da cama e jogar a sua parte desse jogo que não conhecemos direito as regras nem seu resultado. Todos esses caminhos podem te levar a Roma, ou a um lugar fora de nosso Eu egoísta. Todos esse caminhos podem ser praticados neste ano que se inicia. Boas Entradas (e Boas saídas) para todos.


2 comentários:

  1. Nossa, Spinelli!
    Que texto lindo! Acho que deve ser lido no final de ano que é tempo de reflexão e durante todo o ano também para resgatarmos sempre a meditação!
    Um grande Ano para você!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado ao leitor, ou leitora que infelizmente deixou de assinar o comentário.

      Excluir