quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Perda de Alma

Este blog já passou por outros Natais, e chegando à véspera ou ao dia de Natal, é um tanto difícil para um junguiano deixar de falar da belíssima Mitologia Cristã, particularmente do Mito da Natividade. Quem quiser pode procurar esses posts pelos termos da Natividade ou do Mito Cristão. Hoje não vou escrever sobre isso.
Uma dificuldade ou, uma potencialidade do trabalho com a chamada Psicologia Profunda é trabalhar num mundo onde não há mais silêncio, ou, no limite, não há mais Mundo Interno. Tudo é exteriorizado ou exteriorizável. Lutos, amores, alegrias, tristezas, morte, vida, tudo pode ser transmitido em Tempo Real na nuvem. Já falei sobre isso muitas vezes. O resultado, num mundo onde tudo corre e é consumido rapidamente, é um tempo em que as pessoas perdem a sua Alma. A própria Alma passa a ser dada como inexistente, ou reduzida ao Marcador Somático de Antonio Damásio, uma parte sensitiva de nossa Cognição que nos dá a sensação de sermos algo. Não é mais o “Penso, Logo Existo”, mas o “Percebo, Logo Sou”.
A epidemia de Depressão, Obesidade, Deficit de Atenção e Ansiedade está, na opinião deste escriba, inteiramente correlacionada com essa perda de Alma. A sensação de correria sem objetivo leva a Desatenção como um grave sintoma de nosso tempo. Acidentes, tragédias, catástrofes todo tipo de doença deriva deste senso de correria desatenta. Os exemplos estão todos por aí: enfermagem injetando café com leite na veia de uma idosa, acidentes cirúrgicos, médicos operando o joelho errado, mães esquecendo o bebê no carro para morrer de desidratação e hipertermia, exemplos diários e cada vez mais dolorosos.
Na prática clínica, a Alma pode começar a pedir a nossa atenção em pequenos e suaves sinais de que algo não vai bem: noites mal dormidas, irritabilidades e desconcentração. Uma sutil sensação de que algo não está encaixado ou fora do lugar. Os sintomas e as sensações podem evoluir, e a Alma, que começa sussurrando, pode irromper aos berros, numa crise de Pânico, num nódulo maligno de Mama ou Tireóide, um acidente grave de trânsito ou um divórcio. Podemos ouvir os seus sinais, ou tentar suprimir os seus berros, mas a tragédia de nosso tempo talvez seja a própria ausência do conceito que temos uma Alma e ela deva ser considerada em tudo o que fazemos, como uma conselheira ou breque dessa correria.
Quando alguém chega ao consultório em diversos níveis de dor e sofrimento psíquico, aquilo que pede como ajuda pode ser visto como alguma disfunção de metabolismo cerebral e corrigido com medicamentos. Se a orientação for mais profunda, o paciente pode rever as suas prioridades, melhorar a dieta, perder peso, fazer exercícios, desacelerar. Se o trabalho realmente engrenar, a doença poderá ser vista como um mergulho na direção de um significado mais profundo da própria vida e da saída do circuito oval onde corremos não se sabe para onde. A maior parte volta para o circuito com o auxílio luxuoso de alguns medicamentos de tarja vermelha e preta.
Uma paciente de Jung contou um sonho desagradável em que estava numa espécie de lodaçal, ou coisa pior, enfiada até o pescoço e sem conseguir sair. Na borda estava Jung. Ela pensa: “Quer ver que, em vez de me tirar daqui, esse puto vai me mandar mergulhar?”. Dito e feito. Ele falou, sem dó: “Mergulha”. Como se pode perceber, não é fácil ser junguiano neste século. Mergulhar na própria lama não é para qualquer um. O que será que tem do outro lado?

3 comentários:

  1. Mergulhar na lama trará um conhecimento de você mesmo e das suas dores que realmente não é para qualquer um. Tem que estar muito, mas muito preparado!
    bjos,
    Lucia

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