domingo, 21 de dezembro de 2014

Jornada Incerta

Mais um intervalo entre os posts. Este período é difícil para os psiquiatras, como escrevo todo ano. O único lugar onde o Natal é uma reunião de pessoas felizes, em famílias grandes e unidas é nos comerciais de Peru Sadia. A data de nascimento do menino Jesus foi arbitrariamente fixada em 25 de Dezembro, o que faz com que a data do nascimento da Criança Divina coincida com o final do ano. Um símbolo de nascimento de possibilidades com outro de final de ciclo. Para os psiquiatras, prevalece o sentimento de final de ciclo, e quem está se arrastando em uma Depressão ou uma crise existencial severa pode achar que não vai querer começar um novo ano. É uma época acidentada e perigosa.
As pessoas não ficam mais generosas nem desarmadas neste período. Ficam antes estressadas com as compras de última hora, com a sensação de que este Natal está mais magro do que no ano passado e que o próximo amo será pior que esse. Duvido. Ficamos hipnotizados com as mensagens pessimistas da mídia e os profetas de plantão nunca são cobrados por suas previsões catastrofistas. Muito pelo contrário. Ceticismo dá um ar de rigor científico e realismo aos comentaristas e ninguém em sã consciência consegue fazer uma previsão otimista para este país no ano que vem. Pelo menos não vamos passar um semestre esperando pelo Apocalipse na Copa do Mundo ou vamos ficar sentados no dinheiro esperando que o PT perca a eleição: vamos ter que investir, empreender, inventar, enquanto muita gente fica à margem justificando a própria covardia. Vamos ter que botar o pé na estrada e ganhar o dinheiro com honestidade, pois a gigantesca maioria desse país ganha o seu pão com trabalho, não com negociatas com empreiteiras ou estatais. A sensação global de avacalhação tem mandado muita gente boa para o exterior ou para a apatia. Apatia não resolve nada.
Hoje estava em uma conversa no Skype e citei uma passagem de Joseph Campbell, maravilhoso estudioso de Mitologia americano que morreu na época que eu engatinhava em meus estudos junguianos. Campbell foi entrevistado por Bill Moyers numa série maravilhosa chamada “O Poder do Mito” (já falei dele em outros posts). Foi uma série de entrevistas que deram a oportunidade para este homem falar da obra de sua vida e dos mitos que a animaram. Uma das inúmeras histórias foi sobre uma cena do “Star Wars”, em que Luke Skywalker está esperando para iniciar sua viagem no hiperespaço. Ele está numa espécie de bar cheio de alienígenas, bebendo um drink futurista enquanto espera a sua vez antes de iniciar a sua Jornada. Todos estão lá, ansiosos, esperando pela sua vez. É uma cena banal e extemporânea nesse dias de computação gráfica e efeitos 3 D nos filmes. Campbell viu grande beleza nessa cena. A Jornada do Herói é incerta e implica em mergulhar no inesperado, no desconhecido. Muita gente hoje fica encalacrada nesta antessala e nunca empreende a sua jornada, sempre por razões muito plausíveis, como as incertezas da Economia, a impressionante incapacidade dos governantes de gerar uma visão compartilhada com a população produtiva, que paga os impostos e as propinas na Petrobrás. Nossa psique macunaímica tem uma grande resistência às jornadas arquetípicas e à construção de novos projetos e novos futuros. É mais fácil ficar à beira da estrada gritando que não vai dar certo.
A Natividade também é um mito belíssimo de uma jornada incerta, uma jornada de um jovem, sua esposa adolescente e o menino que ela traz em seu ventre. O seu nascimento é cercado de vários perigos e dores, mas o caminho vai se fazendo na medida em que o burrico anda passo a passo para Belém. E sem GPS. Sobretudo, sem garantias.

2 comentários:

  1. Muito bonito o seu texto!
    abços, Lucia Andrade

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  2. Feliz Natal, Mestre.
    E grande 2015 pra todos !!!

    Edison

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