domingo, 8 de março de 2015

Croissant e Comunhão

O título da autobiografia do padre, psicanalista e escritor Jean Yves Leloup já é, em si, uma espécie de resumo de sua jornada humana e espiritual: “O Absurdo e a Graça”. Não foram poucas as vezes em que Leloup se encontrou na sua vida no miolo do Absurdo, do Não Sentido que acaba drenando a vida e a sanidade de muitos. Quando imagino o querido ator Robin Williams se enforcando com a própria cinta na solidão de seu quarto, imagino a sua Alma tragada pela sensação de Vazio e Absurdo.
Jean Leloup acredita, ou mais do que acreditar, passou em sua vida por muitas situações onde o Absurdo e o desespero foram a condição transitória que abriu o caminho da Graça, mesmo quando ela não era de forma nenhuma esperada. Aguentar o embate com o Absurdo, essa é a tarefa mais sofrida, até porque não podemos prever a Graça.
Eu pensava muito nisso durante a missa que celebrava a Primeira Comunhão de uma sobrinha querida. Pensava durante a Homilia, que é uma pequena pregação do padre sobre o sentido do Evangelho e do Sacramento que as crianças estavam recebendo. O discurso do sacerdote para as crianças foi perfeita e absolutamente ininteligível. Falava alguma coisa como compromisso mas se deteve com mais rigor em levantar a bola das catequistas, sobretudo uma senhora que fazia gestos largos para reger as crianças nas músicas. Fiquei com uma imensa vontade de tomar o microfone do rapaz e começar toda a prédica do zero. Começaria pelo livro de Leloup, e por uma história de sua infância: o menino Jean Yves vivia solto, com uma mãe pouco motivada em cuidar dele. A situação era suficientemente grave para ele ficar até três dias sumido, sem aparente intervenção de seus pais. O menino vivia, portanto, como um sem teto. Numa dessas andanças ele passava fome nas ruas de Paris e passou na frente de um bistrô. O garçom chamou a sua atenção: uma senhora que acabara de sair deixou para ele dois croissants e uma xícara de café com leite. Foi comendo aquele lanche que o menino teve a sua Primeira Comunhão. Foi comendo a refeição depois de dois dias de fome que ele experimentou pela primeira vez a Graça. Talvez naquele momento ele tenha virado um sacerdote. Esse é o sentido da Comunhão: dividir para multiplicar. Dividir o Pão Vivo, que é aquele que mata as fomes que não cansamos de ter.
No final da cerimônia, as crianças foram chamadas para tirar foto com a padre, sob os flashes dos fotógrafos oficiais. Quando o seu nome era chamado, cada criança recebia as palmas e os gritos de urrú dos familiares, como se fosse uma formatura. O bate papo dos que já tinham gritado pelo seu formando, digo, comungante, era cada vez mais alto e constrangedor. Uma música antiga de Renato Russo tocava na minha cabeça, se não me engano o nome dela é “Monte Castelo” em que ele musicou e misturou um soneto de amor de Camões com uma Epístola de São Paulo. Se eu fosse catequista, essa seria a primeira aula, com a música tocando ao fundo: “Ainda, que eu falasse a língua dos homens, e falasse a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria...” Misturar o amor pelo Outro com o amor pela mulher amada é o significado da verdadeira Comunhão. Explicar para as crianças que a Comunhão pode ser dar de comer para uma criança que está perdida de si e de qualquer forma de proteção, essa para mim seria uma boa catequese.

2 comentários:

  1. Pois é ! Meus filhos não foram "obrigados"(acho que muitos pais obrigam hipocritamente a realizar a 1º comunhão ) foram estimulas a pesar e decidir se queriam ou não. A opção, que eles tinham ( no caso colégio Franciscano ) era a de participar o ano inteiro da Pastoral... ao meu ver, mais condizente com a ação da Cristandade.
    bjus
    Ciça

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  2. Certamente sua homilia teria chegado ao coração das crianças, pois enxergar através da história foi usado pelo mais sábio dos mestre divinamente. Parabéns, gosto muito das suas postagens. Daria um bom livro.

    Um abraço,
    Ana Paula

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