domingo, 22 de março de 2015

O Silêncio é que Cura

Normalmente os dados da Literatura Médica são muito favoráveis ao uso da Meditação como forma de melhora em várias doenças, da Hipertensão Arterial aos Quadros Depressivos e a Ansiedade. Dados robustos mostram que a Meditação atua bem e traz melhoras nas doenças e uma sensação mensurável de bem estar aos seus praticantes. Quando eu sugiro aos pacientes alguma forma de Meditação, eles costumam me olhar com uma expressão entre curiosa e aflita. Ou a ideia vai parar naquela lista de coisas que sabemos que deveríamos fazer, mas não vamos fazer nunca, como perder peso, parar de comer carne ou começar a treinar para a São Silvestre deste ano, e a conversa para por ali, ou a pessoa confessa que não se enxerga parada meia hora em posição de lótus entoando mantras. Aquilo parece muito esquisito e pertencente a tradições de alguns carequinhas sorridentes do Tibet. Não é coisa de gente séria.
Os professores de Meditação, pelo menos os sérios, também não dão mole, na medida que não admitem serem didáticos ou proporem uma finalidade para a prática meditativa. No mais das vezes, mandam sentar lá e fazer. Não querem interferir na experiência do freguês, nem impor a sua própria visão ao aluno. Pratique, pratique, pratique. Para que? Sei lá para que. Pratique. Vai melhorar. Vai melhorar o que? Um monte de coisas. Mas vai melhorar o que eu quero que melhore? Não faço ideia. Fácil vender esse pacote? Facílimo.
Estava lendo um capítulo de um belo livro sobre Neuroplasticidade. Gosto muito do autor por motivos bastantes narcísicos: ele é desses raros colegas que gostam de aproximar Neurociência, Psiquiatria e Psicoterapia, veja só. Pensei que seria tombado pelo Ibama, ele também será. Ele escreve sobre um paciente que relatava um sentimento muito profundo e antigo de apatia, de falta de gosto na vida. O seu casamento tinha acabado, ele chegava à fase madura de sua vida sem saber amar ou se entregar para uma mulher e tudo parecia caminhar para o pior. O terapeuta, de forma destemida, resolveu atender o caso. O paciente trazia em seus sonhos, uma cena repetida, em que sentia uma sensação profunda, desesperadora, de perda e de necessidade de procurar pelo que fora perdido. Freud, em uma de suas intuições geniais, mencionou que esse tipo de sonho repetitivo, com cenas que trazem sensações vagas e terríveis de medo e tristeza, geralmente se referem a traumas muito antigos e não trabalhados na vida do sonhador, ou sonhadora. Durante essa análise, surgiu uma história impressionante: a mãe do paciente havia morrido sessenta anos antes, no parto de sua irmã caçula. Depois de algum tempo, o pai não deu conta de cuidar de sete filhos e o repassou para outros parentes. Aos três ou quatro anos, ele perdeu absolutamente tudo em sua vida. As sensações que apareceram em seus sonhos traduziam esses sentimentos muito antigos de perda e de “cadê todo mundo?”. É razoável de se propor que algo de seus problemas com vínculos afetivos surgiram dessa perda inicial.
O ambiente protegido da análise, o dedilhar delicado dos sentimentos, ajudaram na elaboração dessas dores antigas. Os efeitos não demoraram: o paciente experimentou melhora em suas relações pessoais, se engajou em novos projetos e arrumou uma namorada. Descobriu nessa nova relação um sentimento completamente novo: pela primeira vez teve ciúmes e temeu perder uma mulher. Ou, pelo menos, teve pela primeira vez consciência desses sentimentos estranhamente humanos.
Quando eu li esse texto, tive um estalo; é exatamente neste ponto que terapia e meditação se aproximam: na sensação de recuperação desse ambiente protegido que tivemos, ou deveríamos ter tido, em nossa primeira infância. A sensação de que tudo está bem e que tem alguém olhando. Nem que esse alguém seja o próprio meditador.
Uma paciente me pede muitas vezes para quebrar o silêncio da sessão e falar alguma coisa. Eu respondo que é o Silêncio que cura.

3 comentários:

  1. Espero que eu esteja no caminho certo então, decidi fazer um período sabático de silêncio. Adoro seus textos, me sinto humana e "normal". Obrigada por ter me atendido com tanta paciência em meses de tagarelice absurda. kkkkkkkk. Bjs.

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  2. Infância, Pai e Mãe juntos, família, proteção, isso tudo faz diferença.

    Silêncio é ouro, mas as vezes dói.

    Grande abraço, Mestre.

    Edison

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