domingo, 5 de abril de 2015

A Neve Sobre Os Alpes

Na semana passada, nos comentários desse blog foi solicitada uma pauta por duas leitoras: Lúcia e uma pessoa querida que não assinou o seu comentário carinhoso. Aliás, seria um prazer se assinasse. As duas pediram para comentar a história desconcertante do copiloto da Germanwings, Andreas Lubitz, que supostamente derrubou o avião e matou a si mesmo e cento e cinquenta inocentes, mergulhando para a morte de maneira aterrorizante. Uma semana depois e já tivemos um massacre no Quênia como horror da semana. As mídias nem falam mais do copiloto solitário que fez exatamente tudo ao contrário do que dedicou a sua vida breve, matando quem deveria proteger. Confesso que desconfiei da rapidez com que chegaram à essa concussão. Nessa época em que a Aviação é alvo de tantos atos terroristas, culpar um copiloto solitário pareceu uma saída muito óbvia. Depois, nesses tempos em que o jornalismo foi absorvido pela estética dos realitys shows, também esperei por alguma revelação bombástica que emprestasse algum sentido ao absurdo. Nada. O cara teve uma Depressão tratada em 2008 e supostamente tinha uma recomendação por escrito de se afastar do trabalho. Nada que pudesse prever um ato dessa natureza.
Suicídio é a oitava causa de morte nos Estados Unidos. Entre jovens, é a terceira causa de morte. Este tipo de suicídio, o impulsivo, aquele que não dá sinais, não tem comportamentos preditivos, como despedidas em redes sociais, doações de coisas e manifestações de desejos do que fazer depois da morte do interessado, este tipo é o horror de todo profissional de Saúde Mental. Outra dificuldade imensa é a falta de uma base familiar sólida para ajudar o paciente nos períodos em que morrer pareça ser não a melhor, mas a única alternativa. Se ele realmente teve a recomendação de se afastar, para quem avisar dessa conduta?
O jornalista Andrew Solomon apresentou um TED talks, aula curta de dezoito minutos sobre temas variados, sobre a Depressão. Ele se interessou e estudou longamente o tema depois de passar por um quadro depressivo muito grave nos anos noventa. O seu trabalho gerou um livro, chamado “O Demônio do Meio Dia”. Solomon descreve que, para muitos que passam por essa doença, é como que se um véu de negação fosse erguido e a realidade fosse revelada sem chantilly: a percepção de que todos vamos morrer, que a vida não tem sentido e que atravessamos esse período de vida de maneira geralmente solitária. A resposta que ele deu para essa pessoa que fazia essa constatação foi genial: “Ok, mas vamos nos concentrar no que vamos comer do café da manhã”. Genial. A Depressão é como o governo Dilma, uma experiência horrível, mas transitória, e devemos nos ocupar de atravessá-la. Para isso, precisamos de tempo e paciência para atravessar os dias, um de cada vez.
O que eu imagino que passou pela cabeça de um rapaz de vinte e oito anos que se tranca na cabine de seu avião e faz o Airbus mergulhar nas montanhas dos Alpes Franceses? Acredito que o seu afastamento de suas funções tenha sido recomendado, sim. Imagino que ele estava num estado alterado de consciência, o que gera uma visão em túnel, ou seja, nada passa por sua cabeça senão o que vinha planejando secretamente durante algum tempo. Ouvimos essas histórias em vários consultórios, histórias de terror, de pacientes que tomam essa decisão impulsiva após alguma situação do tipo “gota d’água”, quando recebe uma notícia sobre uma doença grave, ou uma demissão inesperada, um comunicado de intenção de divórcio. Andreas Lubitz parece ter recebido um estímulo “gota d’água”. O seu ato foi pessoal e dolorosamente imprevisível.
Li um trabalho recente sobre um programa de prevenção de suicídios do Exército Americano, o qual segue de perto os veteranos das intervenções americanas no Afeganistão e Iraque. Os cinco por cento de militares de alto risco são responsáveis por 53% dos suicídios entre os veteranos. Internação Psiquiátrica, Uso de Álcool e Drogas, falta de suporte familiar, histórico de Depressão e Suicídio na família, divórcio e desemprego, são todos fatores de risco mapeados e estudados. Mas olhos experimentados podem ler as entrelinhas desse estudo, e ver duas coisas assustadoras: uma é que, apesar de todo mapeamento de risco e todo o sistema de follow up que se faz desses casos, ainda assim muitos pacientes acabam dando fim à própria vida. Outro detalhe é que, desses casos, 53% eram do grupo de alto risco. Isso significa que 47% dos militares que se suicidaram não tinham fatores de risco tão fáceis de se detectar. Posso considerar também que uma parte desses casos não deu sinal nenhum de sua intenção suicida.
Em alguns casos, felizmente raros, um Andreas Lubitz pode fazer o que fez sem nenhuma detecção de seu risco. Talvez isso que deixe as pessoas mais angustiadas nessa tragédia. O sistema de diagnóstico de risco vai com certeza se tornar mais rigoroso. Temo igualmente que pacientes com Depressão serão mais estigmatizados depois desse evento.


2 comentários:

  1. Obrigada por comentar Marco! Compartilhamos então da mesma visão sobre a tragédia. O co-piloto estava deprimido, sentia-se invisível, sem apoio ou ajuda, e principalmente sem que desse qualquer sinal ou aviso prévio, que é uma das características de outras patologias que não a Depressão propriamente dita, ele entrou no surto do túnel vazio... Nele só existiam sua imensa dor e sua rota de fuga. Mergulhou para a morte acelerando e em total solidão. Matou inocentes em sua cegueira mental... Eu também temo pela estigmatização dos depressivos de uma maneira geral. Depressão tem potencial risco para si mesmo, mas deprimidos não são assassinos em massa! Obrigada queridíssimo amigo por esse e tantos outros textos brilhantes que compartilha nesse seu espaço. Sinto mesmo uma enorme saudade de nossas conversas e de você. Continuo aqui, te acompanhando de perto.
    Beijo com carinho.........

    Rosana

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  2. Caramba, Rosana. Obrigado. Pode propor outras pautas, que vou tentar ser um pouco disso que vc descreveu.

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