terça-feira, 21 de abril de 2015

O Tempo Não Para

Era uma vez uma mulher desesperada. O seu bebê tinha acabado de morrer e ela batia de porta em porta do seu vilarejo pedindo ajuda para trazê-lo de volta à vida. Cientes de que seu pedido era impossível, as pessoas se afastavam, pensando que ela estava louca. Finalmente, depois de uma longa busca, ela encontrou com o próprio Buda, que lhe deu uma tarefa: pegasse um punhado de sementes de mostarda e fosse de porta em porta, procurando por famílias que nunca tivessem perdido ninguém. Para essas famílias, ela deveria dar uma semente de mostarda, e voltaria ao final do dia quando as suas mãos estivessem vazias. Não demorou para a mulher desesperada perceber que não conseguiria encontrar nenhuma casa onde as pessoas não tivessem sofrido uma perda. Pegou o seu bebê, fez o seu sepultamento e tornou-se uma seguidora do mestre.
Dr Fankenstein, do romance de Mary Shelley, cria um monstro sub humano justamente por não aceitar a morte de sua mãe e sua noiva. Ele cria um ser monstruoso que costura entre pedaços de cadáveres e reanima com a eletricidade recém descoberta de seu tempo. Logo o criador perde o controle sobre a criatura, gerando mais morte, a mesma morte que o enlouquecido doutor tentava controlar.
Diz a poetisa mineira, Adélia Prado: “O homem é a muleta de Deus/ Não há descanso aqui/ Estamos no exílio”. Uma sensação quase universal de incompletude, essa é a nossa experiência humana. Muito desejamos consertar o que está torto, mas quanto mais tentamos, mais tortas as coisas ficam. Talvez fosse melhor aceitar o torto como torto. Esse seria o primeiro passo para a cura.
A fábula budista escrita acima, que eu já citei em outro post, é bastante dura com a percepção da perda e, sobretudo, de um conceito muito caro ao Buda, que é a impermanência. Como Dr Frankenstein, tentamos bater a impermanência com nossos remendos tecnológicos, que criam máscaras de botox ou corpos mutilados pelo medo.
Eu gosto particularmente da pequena história da mãe que procura desesperada por ajuda, uma saída mágica como alguém que tenha poder sobre a vida e a morte para devolver o sopro ao seu bebê. Ela atravessa o mundo, bate em mil portas até encontrar com o Buda, que mostra que a sua dor é universal, ela não foi escolhida pelo destino para ser a única sofredora. Cuidar de sua perda, entretanto, é uma tarefa pessoal: não adianta implorar para alguém revertê-la magicamente. É sua tarefa duríssima, a despedida. Olhar para a cidade de cima e perceber as luzes suaves das casas permite a mulher desesperada refletir que a vida dura o tempo de uma vela acesa, não importa a correria ou o laboratório de Frankenstein. Isso lhe traz um estranho sorriso nos lábios. Aceitar a própria ferida e o próprio sentimento de vazio também permite ajudar aos outros em seu desespero.
Fico imaginando que o trecho do Novo Testamento em que Jesus sugere o dar a outra face, a não resistência, estivesse descrevendo um conceito difícil e contra intuitivo, que é justamente parar de opor resistência à impermanência, às coisas que serão retiradas pelos movimentos do tempo. Jesus descreveu em um trecho a não violência e a indefensibilidade diante das coisas que vão embora com o tempo. Não é uma lição nem um pouco fácil de aprender e mais ainda, de aplicar.

Um comentário:

  1. Seu texto é lindo!!
    Aceitar e lidar com o que a vida nos traz é realmente muito difícil.
    Gostei muito da sua explicação bíblica de "dar a outra face". Nunca tinha visto sob esta visão. Muito legal!
    bjos,
    Lúcia

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