domingo, 21 de fevereiro de 2016

A Rocha Interior

No último post desse Blog, um leitor e comentador assíduo, Edison, fez uma observação e me pediu para desenvolver o tema. Falei sobre o Mantra que um terapeuta ensinou a seus pacientes em um episódio de Law and Order: “Eu sou a Rocha no meio da tempestade”. Esse mantra trabalha a Base Egóica, ou, um termo bem na moda na Psicologia Corporativa, Resiliência. Precisamos, mesmo, trabalhar isso em nossa vida, pois não são poucos os momentos em que estamos perto de afundar no meio das tempestades, reais ou imaginárias, de nossos afetos. Edison perguntou: “E quando a Rocha é outra pessoa, de carne e osso? Quando não sou eu a Rocha?”.
Uma vez li uma pequena história de um rapaz que tinha um amigo zen budista. Ele falava sobre seus pedidos para Deus, o amigo perguntou para ele: “E se o seu Eu fosse crescendo tanto, tanto dentro de você, que não restasse nenhuma diferença entre você e Deus?”. A princípio, ele ficou um pouco escandalizado pela pergunta. Os mestres zen não tentam exatamente o contrário disso, que é diminuir o Ego tanto, tanto, que só reste em seu lugar o Ser? O que me ocorreu nessa pergunta foi uma frase de Jesus, daquelas que provocaram escândalo entre os fariseus e o transformaram em uma ameaça : “Eu e o Pai somos Um”. Não foi exatamente o que propôs o monge?
Estamos acostumados à ideia de uma Rocha que é exterior à nossa psique. Os pastores gritam e se descabelam pedindo a Deus que ouça o clamor do povo. Moisés quebrou uma das tábuas da lei quando viu seu povo dançando e adorando um Bezerro de Ouro. A busca eterna é por algo infinito que está fora de mim, e que pode me conceder a Graça. Se ela não vem, é porque sou pecador. Ou porque Deus não existe.
Durante um período muito importante de nosso desenvolvimento, precisamos muito de um Outro que nos dê alimento, abrigo, cuidado. A rocha no meio da tempestade é esse Outro, ou no caso, a mãe ou quem faça as vezes de mãe. Quando essa relação primordial é lesada prematuramente, a tendência é criar uma ferida definitiva, que vai acompanhar a pessoa em toda a sua vida. Estudos em camundongos que foram criados com mães indiferentes ou ausentes, viram bichos mais assustados e com maiores índices de Cortisol, um hormônio muito vinculado ao estresse. Para eles, o ambiente nunca está seguro. Em situações difíceis, como de falta de alimentos, esses roedores vão ser os primeiros a morrer, pois tem pouca capacidade de arriscar, explorar o ambiente. Não precisamos ir muito longe para observar essas lesões em humanos.
Uma parentagem suficiente dá ao filhote essa sensação de firmeza, de valor e proteção e, no decorrer de seu crescimento, estimula a autonomia e à criação interna dessa Rocha para enfrentar as adversidades e os medos inerentes à vida. Tolerar o medo, a frustração, encarar as dificuldades de frente e adiar a recompensa são características que desejamos desenvolver nesse Sistema Operacional de nossas redes neurais, que chamamos de Ego.
O que eu respondo, Edson, é que somos levados a crer que a Rocha que não cede à tempestade está sempre fora de nós, nunca dentro. Quando eu tiver tanto de dinheiro na conta, quando encontrar o verdadeiro amor, quando descobrirem o remédio milagroso para a minha dor, quando chegar a ajuda do Governo, quando Deus lembrar de mim, tudo é sempre a espera infinita de uma ajuda que venha de algum lugar que não é o meu mundo interno. Bem sabemos que a espera pode ser infinita, ou que tem muita gente lucrando com essa espera. E prometendo resolvê-la.
Lacan tinha uma frase belíssima que é “Um analista só se valida por si mesmo”. Nenhum diploma, ou formação, ou mestre, ou supervisor pode dar a ele esta validação. Só perceber, na prática, que está se tornando um clínico e quem sabe, um curador. É a prática e o embate com o Real que dá a validação. Isso vale para todos. “Um ser humano só se valida por si mesmo”, eu diria.
Quando a China invadiu o Tibete, nos anos cinquenta, havia um menino apelidado de Kundum que governava o pequeno país. O general chinês revelou a esse menino que eles estavam lá para salvá-los da miséria e da crendice. Todos seriam beneficiados pela presença do Exército Comunista naquele lugar. Kundum respondeu ao general, antes que ele deixasse a sua sala: “Diga ao seu líder que ele não pode me salvar. Só eu posso me salvar”. Kundum teve que deixar o país e hoje é mundialmente conhecido como o Dalai Lama.

2 comentários:

  1. muito bom! é realmente interessante a dificuldade extrema que temos em nos apoderar de nós mesmos...talvez seja A lição a aprender nesse plano...

    valeu, dr.!

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  2. Thanks, Mestre! :-)

    Edison

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