sábado, 27 de fevereiro de 2016

Festa no Céu

Quando chegou ao final de sua vida e já se preparava para o encontro com o seu Criador, o Rabino chegava perto da santidade. Tinha, ainda, uma ligeira apreensão sobre seu momento de passagem e a dúvida sobre o que encontraria do outro lado da vida. Por todo o mérito acumulado na longa jornada de sua vida, foi dado ao rabino a chance de saber o que havia do outro lado. Primeiramente, ele foi levado ao lugar de Expiação, que algumas pessoas chamariam de Inferno, outras de Purgatório. Para surpresa do homem santo, nesse lugar havia uma imensa mesa, repleta das melhores comidas e dos vinhos mais raros e deliciosos. O lugar era muito bonito e radiante. Chegando mais perto, ele não encontrou labaredas infernais nem demônios com seus tridentes. No entanto, as pessoas pareciam famintas e muito infelizes, embora não estivesse claro o motivo da fome ou da tristeza. Chegando mais perto, ficava muito claro que a mesa era imensa e farta, mas a comida estava intocada. As mãos das pobres almas eram viradas ao avesso. Por mais que se esforçassem, não conseguiam trazer à comida aos próprios lábios. Essa então era a danação eterna: ter à disposição toda a beleza e abundância da criação, mas, como uma maldição mitológica, a riqueza estava sempre fugindo às suas mãos. O Rabino foi levado então para o Paraíso. Para a sua surpresa, não havia muita diferença do local que tinha deixado à pouco. Também havia lá a mesa. O local belo e radiante e a mesa cheia de iguarias e delícias. Chegando mais perto, percebeu que as pessoas estavam felizes e plenas, sem choro e sem fome. Mas a sua maior surpresa foi perceber que as mãos dessas almas felizardas eram viradas ao contrário como no lugar da Expiação. Elas também não conseguiam trazer o alimento à boca. A diferença é que, no Paraíso, todos se deleitavam em alimentar o seu vizinho, então ninguém passava fome.
Essa história está num livro do rabino Nilton Bonder, provavelmente “A Cabala do Dinheiro”. Gosto muito dela, mas parece aquela historietas para algum guru motivacional animar as convenções da empresa e estimular o “team work” na galera. Trabalho em equipe, líderes servidores e muitos dividendos e bônus para a Diretoria. A ordem é estimular os genes altruístas da equipe para perpetuar os genes egoístas da direção e dos acionistas. É por isso que não me dedico às palestras motivacionais. Mas este é outro assunto.
Por incrível que pareça, os estudos mostram que as pessoas se sentem melhor quando cuidam da felicidade alheia do que da própria. Uma fórmula infalível de se obter a infelicidade é passar o tempo todo perguntando: “E eu? E eu? Cadê o meu?”. Nosso culto holywoodiano à busca da Felicidade bate todos os recordes de suicídios e consumo de psicotrópicos, legais ou ilegais. A busca da felicidade criou um mundo em que se batem diariamente os recordes de infelicidade, mesmo que as Redes Sociais anunciem que todos são lindos e felicíssimos, como uma gigantesca Revista Caras. Talvez tenhamos aí uma nova forma de Infelicidade: sou infeliz porque não tenho recorde de curtidas no meu Face nem nas minhas fotos do Instagram. Se a pessoa não é feliz pela absoluta e narcísica busca da felicidade, agora passa a ser infeliz pela impossibilidade de parecer mais feliz do que os outros. Espelho, espelho meu.
Como na pequena história hassídica, temos talvez a época de maior abundância e riqueza material de toda história humana. Podemos erradicar a fome e a miséria no planeta nos próximos 50 anos e podemos compartilhar de uma vida mais plena e colaborativa. Como as almas perdidas do Purgatório, as mãos invertidas não permitem levar aos lábios essa riqueza. Autoajuda, autoestima e outras altos acabam caindo no autoengano.
Um vídeo também motivacional mostrou uma espécie de gincana entre crianças com vários tipos de deficiência. Provavelmente alguns casos de Paralisia Cerebral. Estavam na pista de atletismo para uma corrida de alguns metros. Uma menina se destacava na frente das outras e corria na direção da reta final. Para surpresa dos instrutores fofinhos, ela parou a poucos metros da linha de chegada e olhou para trás. Os instrutores acenando para ela cruzar a linha e vencer a prova. Ela deu meia volta e correu na direção contrária. Alcançando as retardatárias, pegou as amiguinhas pela mão, e as mãos foram sendo dadas como se aquilo estivesse ensaiado. Todas cruzaram a linha de chegada de mãos dadas. Como um banquete no céu.

3 comentários:

  1. Sem comentários, só um "Curti".

    Edison

    ResponderExcluir
  2. Te leio sempre, dr. Saiba q seus textos me ajudam muito. Saudades das sessões.

    ResponderExcluir
  3. Te leio sempre, dr. Saiba q seus textos me ajudam muito. Saudades das sessões.

    ResponderExcluir