domingo, 13 de março de 2016

A Mão do Artista

Chegou à consulta desesperada: tinha certeza que estava iniciando uma Demência, como a personagem Alice do filme, parada na esquina de uma rua conhecida sem conseguir achar o caminho de casa após a sua corrida. Como Alice, ela passava de seu quarto à cozinha e ficava olhando para a geladeira sem conseguir lembrar o que tinha ido fazer lá. O processo para se aprontar era quase infinito, porque interrompido dezenas de vezes para checar o celular, arrumar a almofada ou procurar por alguma coisa perdida que já não lembra o que é. Ela não percebe, mas a sua verdadeira dificuldade é de manter a Atenção às mínimas tarefas do seu dia a dia e concluí-las. A vida vira um caos se a capacidade de iniciar, perfazer e concluir as tarefas se perde, ou nunca se desenvolve.
As pessoas se queixam cada vez mais de problemas com sua Memória, quando na verdade estão perdendo a sua capacidade de Atenção. Temos dois tipos de Atenção: Focal e Difusa. A primeira, como o nome já diz, se relaciona com a capacidade de manter a atenção em determinado estímulo ou tarefa até conseguir concluí-la. A difusa funciona como uma espécie de radar que avalia o ambiente quase 360 graus, percebendo movimentos na visão periférica ou alguém sussurrando o seu nome no meio de uma infinidade de ruídos. Pessoas hiperfocadas em seus objetivos e tarefas perdem a visão do que está acontecendo à sua volta, assim como pessoas completamente desfocadas não conseguem concluir as tarefas mais simples, como no caso descrito acima.
Durante uma cirurgia, o cirurgião precisa das duas atenções operando juntas e separadas ao mesmo tempo, num balé complexo de relações. O hiperfoco tem que estar no ato cirúrgico em si: a abertura dos tecidos, a localização espacial das estruturas e do reparo que deve ser feito, a velocidade das manobras e das suturas. Tudo isso já seria bastante serviço, mas não é suficiente. É preciso estar atento aos auxiliares e pedir que os movimentos se encaixem com eficiência, além de atentar aos dados que são passados atrás dos campos pelo anestesista. Tudo isso precisa se encaixar no plano cirúrgico para produzir o menor dano e os melhores resultados. No seriado do canal Sony “Code Black”, sobre o cotidiano de um Pronto Socorro em Los Angeles, o cirurgião chefe adverte o seu aluno, que se sente perseguido e injustiçado. Quando parte para o confronto, fica de queixo caído, pois o chefe arrogante explica que está tentando, na verdade, transformá-lo num artista, não num pedreiro. Chegando do Pronto Socorro, esse aprendiz sabe ser rápido e eficaz, mas opera de forma grosseira. O chefe quer ensiná-lo a sentir a cirurgia como um violinista dedilhando a sua música, não uma cozinheira cortando seus bifes.
Vivemos num mundo onde mesmo os pedreiros não sabem fazer o seu serviço, quanto mais pensam em fazer as tarefas com arte. Não saber direcionar nem modular as capacidades de Atenção é uma tragédia moderna que afeta muitas pessoas, como a presidente Dilma, por exemplo. Suas frases desconexas, as citações erradas e tresloucadas, os coices endereçados a seus auxiliares e ministros, e, sobretudo a incapacidade de avaliação das situações dentro de um contexto amplo para escolher o melhor caminho, criaram os resultados que levaram milhões de brasileiros às ruas no dia de hoje. Como no livro “Foco”, de Daniel Goleman, temos que ser artistas para manter o foco em nossas tarefas, perceber as pessoas à nossa volta que possam ajudar ou pelo menos não atrapalhar e sentir o que está acontecendo no mundo, no mercado, na comunidade que nos acolhe. Foco em si, foco nos outros e no mundo. Isso cria os verdadeiros artistas ou a sua falta destrói projetos e vidas.
E a paciente do início deste post? Depois de um longo trabalho e do ajuste da medicação, aprendeu a se manter dentro de uma tarefa de cada vez e nunca interromper o que está fazendo se não tiver algo urgente ou muito importante. Ela não virou uma artista nem uma autora da sua vida, mas, se trabalhasse como uma pedreira, saberia preparar uma boa massa e assentar bem os tijolos de sua vida. Com o tempo que ganhou, pode voltar a fazer exercícios e organizar melhor o seu dia. O celular fica escondido na bolsa e o motivo que a fazia procrastinar o sair de casa, que era uma extrema desmotivação com o próprio trabalho, foi elaborado. A sua Memória melhorou muito e ela não sente mais medo de correr na rua e não achar mais o caminho de casa. Ela está atenta ao mundo exterior ou, melhor ainda, está atenta ao seu próprio Mundo Interno, que ela nem sabia que existia.

3 comentários:

  1. Amei ! Esse post veio numa boa hora !
    Penso que as pessoas estão meio assim ...
    Entao , o exercício é como o de subir uma escada : um degrau de cada vez.
    Atenção : focal e difusa ! Muito bom !
    Foco ! É o que precisamos !


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  2. baita de um post, diga-se de passagem..

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  3. Esse Mestre "escreve muuuuuuuito", como diria o filósofo Tite.

    Abraço.

    Edison

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