domingo, 22 de maio de 2016

O Pai, o Filho e o Invisível

Uma vez eu fiz uma entrevista que, acho eu, nunca foi publicada. Falava sobre Trindades, sua função mitológica e psíquica. Acho que ficou densa demais, e esse é um defeito de minhas locuções: muitas ideias condensadas, o que acaba empanturrando o ouvinte ou o leitor. Paciência. Estou relendo um livro que o autor divide a nossa relação com a Trindade Cristã em 3 grandes períodos: a Era do Pai, e, naturalmente, do Filho e do Espírito Santo. Uma trindade bastante familiar.
A Era do Pai é a do Deus do Velho Testamento, que escolhe seu povo e se encoleriza sempre que tem que admitir alguns escorregões no Paganismo. Elohim, ou Jeová, tem algumas alterações de Humor e manda Dilúvios ou destrói Sodoma e Gomorra com uma tempestade nuclear (o que Ele faria hoje em dia com Brasília, heim?). O Pai protegia e ungia seu povo escolhido para vencer inimigos e pestes, atravessar desertos ou engolir os perseguidores com as águas do Mar Vermelho.
Um rabino com profundo conhecimento da Torá veio trazer o Segundo Período, o do Filho. Deus não estava mais interessado em sacrifícios de filhos ou animais para ser aplacado. Seu nome era Jesus, e causava escândalo ao chamar Deus de Pai, e, mais escandalosamente, afirmar que ele próprio era o Caminho, a Verdade e a Vida. A relação do Filho com o Pai era de união, não de distância suplicante. Esse Deus é mais próximo e sabe de cada fio do cabelo de seu filho. Não é preciso temer um Pai que se derrama de amor por Seu Filho.
Se não me engano no Ato dos Apóstolos, Jesus afirma que é preciso que ele desapareça para que venha o Paráclito. O Paráclito é o Espírito Santo, que aparece como uma Pomba branca ou como o Fogo de Pentecostes. Confesso que fico pensando nessa imagem muitas vezes. Pego estrada para ir e voltar do trabalho e tenho bastante tempo para este tipo de pensamento. Fico pensando na retirada do Ego para que o Espírito se manifeste. Quando o Ego esgota os seus recursos, algo misterioso se manifesta. Um poeta escreveu: “É quando há o maior perigo que vem a salvação”. Ela se manifesta como inspiração, coincidência ou uma intervenção salvadora quando tudo parecia perdido. É a manifestação da maior das divindades, que é o Invisível.
Podemos dividir a nossa vida psíquica nessas três fases. A fase do Pai/Mãe, em que recebemos do mundo abrigo, alimento e cuidado para terminar o desenvolvimento que começou na fecundação. Vivemos em estado de encantamento e aceitação de tudo o que as figuras parentais nos dizem. Vivemos em estado de infância permanente, repetindo, imitando o que é imposto pela autoridade do Pai/Mãe. Uma imensa parte da humanidade e do nosso país vive psiquicamente nessa eterna infância, aceitando incondicionalmente o que a autoridade proclama, geralmente na TV.
Na fase do Filho, ocorre a diferenciação da Lei parental. O filho se descola procurando as próprias verdades e o próprio caminho. Psiquicamente o Ego ainda depende do Consciência Coletiva, mas começa a se preparar para adquirir a própria visão e assumir as escolhas. Eu pego muito no pé desses movimentos sociais que fazem manifestações contra o Papai/Mamãe Estado e querem que esse ser infinito pague sempre a conta. O Filho tem que se diferenciar do Pai e aprender a pagar as suas contas, senão fica preso numa eterna adolescência. Estamos num mundo em que muita gente fica presa nessa Adolescência, esperando tudo do Papai e oferecendo pouco em troca. Tem gente que até chega à Presidência da República pensando assim.
A Fase do Espírito Santo inclui um Ego desenvolvido, que lida com as dificuldades da vida com autonomia e trabalha internamente as próprias dificuldades, em vez de responsabilizar infinitamente o Outro por seus erros. Uma das contribuições de Jung para a Psique Moderna foi de colocar que a tarefa da Encarnação passa a ser uma tarefa pessoal de cada um. É dentro de nossa Psique que brigam o Bem e o Mal, a santidade e o pecado. Somos o receptáculo da Vida e dos dilemas do mundo. Não adianta seguir bovinamente um líder ou esperar as respostas em passeatas, mas na busca pessoal de um caminho que tenha Significado. Muito eu falo nesse blog sobre a época de profundo vazio de significado que vivemos, nessa época em que tudo é Coisificado, até o Amor. É tarefa de cada um procurar e cultivar em si a busca de significado. No encontro com o Outro, essas faíscas de Significado podem aparecer.
Nossa tarefa é equilibrar as três instâncias em nosso mundo interno: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esse é o significado psíquico da Trindade. Moleza, não?

2 comentários:

  1. muito bom texto, Dr., me remeteu a Vitor Frankl..em algum momento, qdo e se vc tiver interesse, gostaria de aprender mais sobre o que seria um ego desenvolvido e como identifica-lo, uma vez que somos bombardeados o tempo todo com a mensagem de que o ego é algo ruim.

    um abraço,

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  2. Mestre,

    "...
    Capaz de horrores e de ações sublimes,
    Não ficas das virtudes satisfeito,
    Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:

    E, no perpétuo ideal que te devora,
    Residem juntamente no teu peito
    Um demônio que ruge e um deus que chora."
    Olavo Bilac

    Edison

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