sábado, 8 de outubro de 2016

A Vida Bela

Confesso que sempre tive uma certa bronca do filme de Roberto Benigni, “A Vida é Bela”. Sempre desconfiei que uma parte de minha longa antipatia se deu porque esse filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em vez do brasileiro “Central do Brasil”, que sempre foi infinitamente melhor. Isso, claro, partindo do princípio que o Oscar deveria dar o prêmio para os melhores, o que, em si, é um evento meio raro de ocorrer. Mas, para quem não lembra, “A Vida é Bela” conta a história de Guido, um judeu italiano que é preso durante a Segunda Guerra em um Campo de Concentração com seu filho, Josué. Para não se separar de seu filho, o que seria a morte certa para ele, Guido consegue escondê-lo no Campo inventando uma espécie de gincana, onde eles devem se esconder dos guardas nazistas e não pode chorar nem fazer barulho, senão ele pode perder pontos. Se Josué ganhar o jogo, recebe um tanque de guerra. O filme é uma fábula sobre o humor e a inventividade humanas diante dos sistemas de controle totalitários, que punem com a morte o diferente e o dissidente. Mas estudos recentes mostram que Guido, ou o roteirista (o próprio Roberto Benigni, que ganhou o Oscar de melhor ator por esse filme, em 1999) sabiam mais sobre Neurociência do Estresse do que se pensava.
Estudos recentes demonstram que preparar uma pessoa para um evento adverso pode ajudar em sua resiliência, mas também pode causar complicações. Por exemplo, alertar o paciente antes de uma injeção de que vai receber uma injeção e vai sentir uma picada e uma ardência parece ajudar o paciente a ser mais preparado e resistente à dor, certo? Errado. Para uma significativa parcela de pacientes, alertar sobre a dor acabou por aumentar a sua percepção da mesma e o incômodo com a picada. Esse é o efeito Nocebo. Os laboratórios vivem tentando colocar guias de perguntas e respostas dos Transtornos Psiquiátricos na recepção dos médicos. A informação ajuda a preparar as pessoas para as diferentes situações da clínica das doenças e a compreensão de como enfrentá-las, certo? Errado. Nunca aceito esses folhetos, por achar que induz alguns pacientes a superestimar seus sintomas e a gravidade das doenças. É por esse motivo que recomendo aos pacientes ficarem muito longe das bulas dos remédios, que é assunto de advogados, não médicos. As bulas fazem os pacientes esquecerem porque estão sendo medicados, tamanha a quantidade dos efeitos colaterais listados. Isso também pode ter um efeito Nocebo.
Estamos acostumados a entender o Stress como um fator muito importante de desencadear ou causar as doenças mais importantes de nosso tempo. No trânsito caótico de São Paulo dou de cara com aqueles adesivos americanos de “No Stress”. A única condição que posso associar a No Stress é a morte. Estamos acostumados a entender o estresse e os estressores como algo a ser evitado e combatido, certo? Errado. Como Guido muito bem percebeu salvando o seu filho dos algozes nazistas, o importante não é o Stress em si, mas como o percebemos e sobretudo, como lidamos com ele. As reações podem ser de terror ou desafio. O terror paralisa, encolhe, faz a pessoa se retrair para prevenir danos. O desafio transforma o estresse em um jogo que vamos ganhar ou perder, mas vai ser divertido jogar. Guido transforma a mais horrível das experiências humanas, que é estar preso num campo de extermínio, num jogo onde Josué vai ter que crescer rápido para aprender a jogar. Ele não sabe, mas é um jogo de sobrevivência e artimanha.
Crianças e adultos sofrem muito dentro de aparelhos de Ressonância Magnética, que parece com ser enterrado vivo num caixão imenso e barulhento, além de usar uma máscara para proteger o rosto. As equipes estão sendo treinadas nos Estados Unidos para criar outras sensações nos pacientes. O tubo da Ressonância vira uma nave espacial, a máscara é um capacete de Homem Aranha. Pode ser usado incenso e música para tudo parecer um dia no Spa. Tudo para mudar a percepção de nossos fantasmas, que não serão mais tão fantasmagóricos assim. Transformar estresse em desafio é a grande tarefa para terapeutas, líderes e coachs. Isso pode fazer diferença entre vida e morte das pessoas, como o filme (incrível) “A Vida é Bela” demonstra.

3 comentários:

  1. Respostas
    1. Oi Spinelli,
      Eu particularmente não gostei do filme. Acho que "douraram muito a pílula" frente a tragédia que aconteceu com os judeus. E por falar em pílula, concordo que quando falamos muito dos efeitos colaterais de uma medicação, os pacientes acabam sentindo estes efeitos. O problema é que vivemos uma medicina muito defensiva, onde tudo tem que ser falado (várias vezes) pois você pode ser processado por não ter avisado.
      bjos,
      Lucia

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  2. Eu, particularmente, tenho que concordar plenamente com o Guido, por experiência própria. Este VALIOSO treinamento com o STRESS é fundamental para a VIDA.Pensando bem, teria que existir como há o Personal Trainer, um Personal Anti-Stress, claro que seria exatamente o oposto das citadas faixas, NO STRESS. Como bem dito, impossível de existir.
    Uma pena, e até um imenso risco para os profissionais como você, Marco. À partir do momento que este Personal trabalharia exatamente na origem da grande maioria dos quadros que já chegam "borrados" implorando pelas suas "pinceladas" tão certeiras. Metáforas á parte, sinto verdadeiramente, que o despreparo no enfrentamento dos componentes extressores da vida, seja a causa das armadilhas que nos prendem.

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