domingo, 16 de outubro de 2016

O Tempo e a Barriga

Jo Marchant é uma conceituada jornalista inglesa da área de Ciências, autora de um livro muito bacana chamado “Cura”, lançado pela Editora Best Seller neste ano. O livro fala sobre os efeitos da mente sobre o corpo e, diga-se, sobre vários temas abordados nesse blog, como o Midfulness, os efeitos Placebo e Nocebo, as alterações no corpo e Sistema Imune causadas pelo Estresse. De Jung ela não fala, e com certeza diria que uma parte importante dos posts desse blog são um Mambo Jambo metafísico, sobretudo na parte junguiana dele. Mas Jo é uma pesquisadora inquieta e que busca evidências concretas da ação da Mente sobre o Corpo, nesse ponto, estamos no mesmo barco.
Nesse livro, os capítulos são sempre abertos com vinhetas clínicas, histórias de pacientes que servem de ilustração para o capítulo em questão. Uma das minhas vinhetas preferidas tem como personagem ela própria, a autora do livro, e seus dois partos. Ela talvez não tenha percebido, mas nos partos de seu casal de filhos experimentou a profunda divisão de ponto de vista masculino, predominante, e feminino, abrindo passagem, em nossa Cultura e vida.
No seu primeiro parto, Jo começou a ter contrações antes do final da gestação, o que virou um trabalho de parto prematuro. As contrações não eram eficazes e o bebê estava em posição desconfortável, de frente para o canal de parto e desencaixado. Muitas vezes o próprio trabalho de parto ajuda a corrigir essa dificuldade para achar o encaixe. Mas o tempo estava passando e a parteira seguiu o protocolo de romper a bolsa e introduzir medicamentos para tentar facilitar e finalizar a expulsão do bebê pelo canal de parto. O efeito foi exatamente o oposto: sem o líquido amniótico para facilitar a correção de posição, a cabeça do bebê foi sendo comprimida em direção à pelve, levando a sofrimento fetal. Ela foi rapidamente levada para uma Cesariana de Urgência. Nos primeiros dias de Pós Parto, estava esgotada, deprimida e tendo crises de ansiedade próximas do Pânico. O bebê perdeu peso e ela ouviu broncas da Enfermagem e da Pediatria sobre como deveria estar cuidando melhor do bebê. Já atendi alguns casos de Depressão Pós Parto em que a puérpera (a mãe nem é chamada de mãe, pela Medicina, o seu nome passa a ser Puérpera) passa a ter crises e depressão desencadeadas pelos números: quanto leite deveria estar saindo, quantas gramas o bebê perdeu, como as curvas e os gráficos de avaliação deveriam estar se comportando. Jo e o bebê sobreviveram a tudo isso, sem muitas sequelas. Muita gente não tem a mesma sorte.
O segundo parto, três anos depois, foi bem diferente. Jo optou por um parto domiciliar, ajudada por duas parteiras experientes, que acolheram seus medos, conduziram o seu comportamento nas contrações, com uma sensação importante de achar um ritmo progressivo que conduzia o bebê para o Canal de Parto. Com a percepção desse tempo, ou dessa temporalidade, o parto chegou a um ponto em que um ruído estranho anunciou que o bebê estava perto da fase expulsiva. De repente, tudo parou. O bebê não saía. Seria a hora de correr para o centro Cirúrgico e fazer outra Cesariana de Urgência. A parteira falou: ele vai sair quando estiver pronto. Alguns minutos depois, o seu filho estava limpo e em seus braços. A sua filha acordou e veio ver seu irmãozinho, mamando placidamente nos braços de sua mãe. Esse pós parto foi muito melhor do que o primeiro, em todos os parâmetros clínicos.
Os avanços da Ciência tornaram o Parto um procedimento extremamente seguro para mães e bebês. Morrer no parto é assunto para literatura de séculos passados. O saber acumulado, os protocolos e a precisão nos procedimentos diminuem os riscos para os personagens principais da Gravidez e Parto, o bebê e a mãe (ou Puérpera). Tudo isso graça a uma visão mais objetiva e masculina que a Ciência nos proporciona. Essa visão é muito cara à autora do livro e dos partos, Jo Marchant. Exatamente por esse motivo que eu achei encantador ela ter optado por uma abordagem completamente diferente no seu segundo parto. Uma abordagem muito mais próxima de nosso Feminino Ancestral, onde a jovem mãe é acolhida e guiada por mulheres mais velhas e calejadas que “acham”, de maneira intuitiva e com uma percepção profunda, os ritmos e os tempos das contrações e da descida do Feto (que vai virar recém nascido só quando sair de lá) pelo Canal de Parto. No capítulo que se segue, a autora demonstra os dados que corroboram que esse tipo de assistência tem incontáveis vantagens sobre o processo tipo “linha de montagem” das maternidades e suas equipes. Frise-se que, para mães de primeira viagem, a assistência hospitalar continua sendo a indicação mais prudente. Mas confesso que a parte que mais me encantou foi a frase da parteira: “Ele vai sair quando estiver pronto”. Isso foi bonito demais e estranhamente metafísico. Contra todas as estatísticas e cronômetros, como diria Caetano, o tempo parou para olhar para aquela barriga. E o tempo se cumpriu, exatamente pela ausência de intervenção humana. A cura tem mais relação com esse Não Tempo do que conseguimos perceber.

2 comentários:

  1. Precisamos todos respeitar mais a natureza e a nossa própria natureza, em tempos de tanta arrogância humana, sofremos mesmo por intervir em coisas muito maiores que nós mesmos...

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  2. Dr., vale a pena a leitura do livro (para nós, leigos)?

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