sexta-feira, 21 de abril de 2017

Hannah Baker

Este post é a continuação do anterior, e vai se basear na série do Netflix que causou muita polêmica no seu lançamento, mas a mesma já esfriou, já que a ação de indução de suicídios esperada e alertada por “especialistas” não ocorreu, pelo menos até agora. A série é “13 Reasons Why” e, para quem não viu, vou cometer a indelicadeza de indicar o post anterior para saber do que se trata.
Numa das cenas finais da primeira temporada, Clay Jensen, cuja jornada na direção da verdade é o verdadeiro tema da série (na opinião desse escriba), vira-se para o conselheiro (?) estudantil, e observa que está mais do que na hora das pessoas reverem o jeito como se tratam naquele lugar. Está mais do que na hora de uma política de acolhimento e gentileza. Isso foi escrito antes de Donald Trump virar o homem mais poderoso do planeta. Pensando bem, até o fato de ter um imbecil comandando a América pode ampliar o debate sobre a necessidade de rever a subjetividade darwiniana que opera em nosso mundo. Renato Russo dizia: “Há tempos, nem os santos/Tem ao certo a medida da maldade/ E há tempos são os jovens que adoecem”. “13 Reasons” reflete uma sociedade doente, a nossa. Duas doenças principais: a Exclusão e a Incomunicabilidade. Os jovens adoecem, em meio à incompetência de pais, professores e terapeutas em entender o que ocorre e como operar com isso. Hannah Baker teve pais amorosos e presentes, uma escola com aulas sobre Inteligência Emocional e Autoestima, um Conselheiro Estudantil de plantão e várias, várias oportunidades fracassadas de trabalhar sua sensação permanente de exclusão. Como acontece em muitas tragédias, uma comédia de erros de mal entendidos e pequenas e grandes violências a empurravam, o tempo todo, de volta à exclusão e incomunicabilidade. A maior de todas foi morrer sendo profundamente amada por Clay e vemos, em desespero, a infinidade de oportunidades que os dois tiveram de manifestar, expressar esse amor, mas na hora H sempre calavam seus sentimentos com medo de mais uma rejeição.
A série mostra uma geração de filhos únicos esmagados pelas expectativas de seus pais. Uma geração que cresceu ouvindo que são muito especiais e, lamento dizer, pouco aparelhada para lidar com as dificuldades de crescimento. Dificuldades inerentes ao crescimento, e ao desmoronamento do mundo cor de rosa das Frozens e Moanas.
Hannah Baker deixa sete fitas cassete com descrições de pequenos e grandes abusos e traições que sofreu. A jornada de Clay é descobrir a sua responsabilidade nessa morte e trazer à tona o que todos tentam evitar, que é a Verdade. Acho que o subtema mais bacana da série não é nem a reflexão sobre a cultura do estupro em festas pseudo inocentes nem o suicídio da narradora, mas a Compaixão. No final das contas, todos, perpetradores e vítimas do bullying real e virtual sofrem, tem medo e vergonha para ocultar sob a capa de suas Personas. Clay Jensen demora para ouvir as fitas porque sente na carne o que Hannah sentiu, e vai também se aprofundando na própria covardia e omissão, até não conseguir mais aguentar a si mesmo. Não consegue mais aguentar seu próprio silêncio covarde e começa a berrar a verdade para quem quer ocultá-la a qualquer custo. Clay vai descobrindo, aos trancos e barrancos (literalmente em trancos e em barrancos) a sua capacidade de sentir o que o outro sente, que é a Compaixão.
Talvez a série seja um exercício de Sentir, e esse seja o seu fio condutor: sentir e expressar, em meio aos jogos de poder e de histeria que vivemos em nosso tempo.
Hannah Baker fala de um mundo em que estamos desenraizados, perdidos de nossa Alma. Nos séculos passados uma série de estudiosos e antropólogos descreveram o fenômeno do suicídio em massa de tribos indígenas que foram desenraizadas e perderam contato com a sua terra e sua matriz cultural. Hoje vemos homens bomba explodindo a mensagem contra a sua exclusão e incomunicabilidade. A cyber cultura cria a ditadura das Personas. Não se busca mais a própria Verdade, mas emoldurar a vida com Photoshops e felicidades de plástico e de Redes Sociais. A perda de raiz afeta a todos, pois há também aumento das taxas de suicídio entre pessoas entre os cinquenta e sessenta e cinco anos, igualmente um período em que as pessoas podem sentir o medo e a exclusão diante do que vem pela frente.
Clay Jensen, no final das contas, tem razão. Está na hora de colocar os dedos nas feridas e está na hora de nos tratarmos melhor.

2 comentários:

  1. Pensei que ia ver mais uma mensagem de alerta aos pais, como cansei de ver. Estava decepcionada com a falta de visão do todo e de todos.
    Respeitar o que o outro sente e a forma como sente as coisas, ainda que muito diferente da nossa, é algo que deve ser visto.
    Nem sempre as dores "sem motivo" de uns são meros mimimis....sâo dores reais, um modo de ver e sentir pelo acúmulo de toda uma criação.
    Adorei o post!
    Que seja praticada a compaixão, principalmente por aqueles que são direccionados pela vida para isso, para essa missão, como o Conselheiro Estudantil, por exemplo!

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  2. Gostaria que comentasse também o aumento do número de tentativas de suicídio entre os estudantes de medicina.
    bjos,
    Lucia Andrade

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