quarta-feira, 2 de junho de 2010

Sobre homens e sofás

Esse blog comemora, depois de 19 postagens, o seu primeiro seguidor: Oi, Rutinha, benvinda. Prometo ser mais assíduo. Vou falar hoje de um assunto que temo não seja muito de seu interesse, que é a relação perigosa entre médicos e indústria farmacêutica. Diariamente ouço o Mundo Corporativo na rádio CBN, e nessas semanas que passaram um interessante debate se estabeleceu:a questão dos profissionais que estabelecem um vínculo empregatício de PJ, ou seja, Pessoa Jurídica, optando por receber um salário melhor para abrir mão de alguns direitos trabalhistas. A Justiça Trabalhista tende a julgar que esse tipo de contrato lesa o trabalhador, mesmo quando é o próprio que opta por essa modalidade de contrato. Um dos ouvintes escreveu para o programa indagando se a Justiça Brasileira julga os trabalhadores criancinhas que não sabem pesar os prós e os contras desse tipo de vínculo.
Por falar em prós e contras, a nossa querida agência reguladora, a ANVISA, tem criado barreiras cada vez mais detalhadas e prevalentes para a relação entre propagandista farmacêutico e médico. Isso na prática tem inibido o clientelismo, a troca de favores e as relações algo incestuosas entre indústria e médicos, mas também na prática, o efeito imediato é que os meus pacientes assinam o cheque com a caneta Bic, já que a ANVISA proibiu aquela canetinhas promocionais. Não pode caneta, pen drive, blocos de notas e outros pequenos agrados estão proibidos, porque podem influenciar a nossa prescrição. Esse fato me lembra a história do português que pegou a esposa traindo-o no sofá e vendeu o sofá. O poder de formação de opinião e de fomento de pesquisa da parte da Indústria Farmacêutica é descomunal. Há uma pressão muito grande da Literatura para tratarmos mais tempo, com doses maiores e mais opções medicamentosas os nossos pacientes. Como no debate da CBN, nossos queridos colegas da ANVISA acreditam que somos criancinhas manipuláveis que vamos trocar nossa reputação e consciência por canetinhas e psssagens para o Congresso. Sou muito grato aos laboratórios que me levaram ao Congresso de Neurociência em Gramado ou ao Congresso Brasileiro de Psiquiatria nos últimos anos, mas isso não mudou uma gota de tinta em minhas prescrições que visam o interesse, inclusive econômico, de meus pacientes com medicamentos de melhor custo/benefício para cada caso. Isso vale muito mais do que algumas canetinhas. O verdadeiro lobby na formação das opiniões, nos diagnósticos e nas condutas estão em outro lugar, bem longe dos consultórios, tem uma força de pressão maciça e necessita de médicos com espírito crítico e boa formação científica para separar, sempre, o joio do trigo. E isso se consegue formando e informando bem a classe médica, coisa que as agências não tem estrutura para bancar.

Um comentário:

  1. Oi doutor, obrigada pela lembrança e pelas boas vindas ! Achei seu texto bárbaro e que, acima de tudo, relata o que vivemos. Vc lembra que estávamos conversando sobre isso outro dia ? Na verdade, falávamos sobre os profissionais mercenários. Aqueles que visam a imagem, fama e dinheiro em primeiro lugar. Nesse caso, médicos / indústria farmacêutica, onde ficam os pacientes ? Onde estão a credibilidade, parceria, olhos nos olhos ??? Difícil. Achei seu artigo muito interessante sim e digo mais, vc deveria explorar mais esse tema. Obrigada, Rute.

    ResponderExcluir