domingo, 20 de outubro de 2013

Penélope, a Tecedeira

Há uma passagem, se não me engano no segundo filme da trilogia “Matrix”, quando Neo, o personagem vivido por Keanu Reeves, vai falar com a melhor personagem da série, que é a vidente chamada Oráculo. Ele está tendo um sonho recorrente que a sua companheira, Trinity, está trocando tiros com os perseguidores. Ela leva um tiro no flanco e cai de um prédio, em queda livre. O sonho termina. Neo pergunta se Trinity vai ou não morrer, se aquele é um sonho premonitório. Oráculo olha para ele com uma expressão que faz com que saiba a resposta. Neo já decidiu, antes de nascer, o que vai acontecer e está lá para entender as razões de sua escolha. Dizem os kardecistas que a nossa Alma já escolhe antes de encarnar quais as dificuldades e os aprendizados que terá nessa vida. A passagem do filme lembra bastante essa ideia. Será que escolhemos as dificuldades que vamos passar e qual aprendizado terá nossa Alma Imortal?
Já escrevi em outro post sobre uma das minhas personagens preferidas de uma outra saga: a “Odisseia”. A personagem é a esposa de Ulisses, Penélope. Vou falar sobre ela de novo.
Como as sagas de herói, naquela época e nos dias de hoje, o destaque sempre foi o herói brilhante, valente, sacando a sua espada para enfrentar os monstros e os inimigos. Penélope aparece no início da sua jornada, quando seu marido está prestes a partir para a guerra. Penélope espera pelo marido por vinte anos. Os pretendentes consideram que seu marido está morto, o trono está vago e a bela viúva deve escolher um deles. Eles comem, bebem e dissipam as riquezas da casa de Ulisses, desrespeitando o seu lar. Ulisses terá uma longuíssima jornada cheia de dores e provações para voltar para casa. Penélope, pelo contrário, não vai para lugar nenhum. Essa é, justamente, a sua maior e incrível virtude. A mãe de Ulisses se deixa morrer de tristeza e seu pai, Laerte, retira-se do reino para levar uma vida de camponês. De um jeito ou de outro, desistem, fenecem, não conseguem sobreviver à longa espera. Penélope segura a onda. Cria o filho, Telêmaco, sozinha. Espera quando ninguém mais esperaria. Sente, em algum lugar de seu ser, que Ulisses não está morto. Astuta, ela alega que vai escolher o novo marido depois que terminar a mortalha de seu sogro, Laerte, que já está idoso. Ela tece o manto durante o dia e o desfaz à noite. Como ninguém quer desagradá-la, esperam por um tempo ilimitado pelo fim da peça. Euricléia, a fiel governanta de Penélope, cuida dos recursos, para não deixar que toda a riqueza seja dissipada.
Já escrevi no último post que muita gente acha que a Mitologia seja uma história da Carochinha ou livros para fazer as crianças dormirem. Somos, na verdade, participantes desse drama, como farsa ou tragédia, em nossas vidas e divãs. O executivo que espera, pacientemente, por uma oportunidade, gastando todas as suas economias enquanto aguarda, resiliente, que as propostas indecentes virem uma verdadeira chance. A mulher que, em nome do fim do amor, abandona um casamento e uma situação confortável e se lança numa vida difícil, com um ex marido hostil e uma pensão apertada. Será que, como Neo, acabamos escolhendo os caminhos mais difíceis em algum lugar de nosso Inconsciente?
Penélope representa o tecido da espera, mesmo quando não há mais nada a esperar. Continuamos tecendo, tecendo e esperando que a sorte vire. O poeta dizia que quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Penélope mostra a maior da coragem esperando e tecendo. Custe o que custar.

Um comentário:

  1. as histórias da Mitologia são um tanto filosóficas e retratam bem as questões da vida do ser humano

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