domingo, 6 de outubro de 2013

A Verdadeira Face

Está para estrear a segunda temporada de “Sessão de Terapia” na TV a Cabo. Já mencionei que gosto mais da versão americana dessa série, em outro post. Lá, a série se chama “In Treatment” (em tradução livre, “Em Tratamento”). O nome também é melhor, pois dá uma ideia da característica de trabalho progressivo que representa uma psicoterapia. Para um mundo que quer tudo na velocidade de um click, o processo de psicoterapia pode ser um dos últimos redutos da lentidão. O processo é longo e doloroso e os resultados, incertos. Segundo a Psiquiatria vigente, é um bate papo muito caro sem base científica. Mas não é esse o assunto desse post.
Há uma cena em “In Treatment” em que Alex, piloto da Força Aérea Americana, jovem arrogante e com algumas dúvidas sobre a sua vida e sexualidade, resolve confrontar e “desmascarar” o terapeuta. Ele descobre que Paul, o psicoterapeuta vivido por Gabriel Byrne, está sendo traído por sua mulher, a sua filha está de caso com um delinquente que deveria ajudar, e o próprio terapeuta está meio apaixonado por uma cliente que Alex está, como poderia dizer sem chocar, está “pegando”. No meio de todo aquele vomitório, Alex pergunta a Paul quantas cabeças ele ainda vai ferrar para encontrar o que está procurando? A cena termina com Paul catando o seu paciente pelos colarinhos, manobra terapêutica muito pouco ortodoxa, embora algumas vezes necessária (Estou brincando. Ou não estou?).
A parte boa dessa cena tão dramática quanto inverossímil é que Alex reconhece que o Terapeuta é mais uma pessoa na luta, na busca profunda por conforto, amor e, sobretudo, significado. Ele pode ser um companheiro de viagem, mas não um guia no safári do Inconsciente. Terapeutas tem assuntos pessoais que não conseguem resolver, crises conjugais e dificuldades como todo mundo. O que é bom que um psicoterapeuta saiba é que ele é um buscador de significados para si, para o Outro e para a vida. As pessoas ficam sempre fantasiando como deve ser horrível ficar o dia inteiro sentado ouvindo problemas e, algumas vezes, os desaforos, dos Alex da vida. Para quem fala sobre essa fantasia eu quase sempre respondo que meu único paciente realmente difícil é o Marco Spinelli. Sujeitinho chato e repetitivo, além de pretensioso. E o pior é que ele nem me deixa tratá-lo.
Estamos todos de passagem por essa vida. As correntes terapêuticas dizem que estamos à procura de liberdade sexual, espontaneidade, poder, grana, amor e cura de nossa eterna sensação de que algo está faltando (não necessariamente nessa ordem). Um junguiano acrescentaria que estamos em busca de Significado e, se tudo der certo, de Sentido.
Já mencionei em outro post o microconto de Borges (Jorge Luis Borges, escritor argentino) em que ele descreve um artista que passou toda a sua vida pintando, esculpindo, expressando o que atravessasse seus dedos e sua alma, com a sua arte. Quando ele morreu, foi dada pelo Criador a oportunidade de vislumbrar de cima toda a sua obra espalhada pelo planeta. Quando o artista olhou com atenção, viu que toda a sua obra, reunida e olhada de cima, tinha o contorno de seu rosto. Os terapeutas, como o Paul, não estão dispensados dessa busca, nem sabem como encontrar os contornos de nossa face verdadeira, sem nossos medos e mesquinharias de praxe. Paul está nessa busca,e esse é o maior presente, a maior dádiva que tem para oferecer para quem senta no sofá à sua frente. Ele não sabe disso claramente, mas nada vai ajudar a cura de outras feridas quanto a honestidade e a coragem de cuidar de suas próprias dores e saber que, nessa vida, somos todos peregrinos.

2 comentários:

  1. As pessoas tem o hábito de endeusar os médicos, como se eles não pudessem ficar doentes, fizessem sempre tudo o que orientam (dieta, não fumar, etc). Os psicoterapeutas não estão livre deste fardo que temos que carregar....
    bjos,
    Lucia

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  2. Tem sido um prazer ler suas postagens... esta última, em especial. Um abraço, Isabel.

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