segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Falar e Calar

Achei um livro que andava perdido. O teólogo Jean Yves Leloup escreveu sobre uma seita cristã, criadora de um movimento, o Hesicasmo. O livro fala sobre essa seita e seu legado. Ele próprio subiu ao Monthe Athos, onde conheceu um famoso Staretz, um místico cristão ortodoxo, que lhe ensinou o Quietismo e, depois, a Prece do Coração. Já escrevi sobre Leloup em outros posts. Como Jung, ele procura recuperar o significado profundo do Cristo nesse mundo sem princípio orientador. Jung dizia que “Os deuses viraram doenças”. Engano dele. Os deuses viraram marcas. As pessoas olham para uma Ferrari como se vissem um Unicórnio ou um raio de Zeus. As marcas são objeto de desejo e admiração, a ânsia pela capacidade de consumo, o ideal, e adentrar o mundo do luxo é fazer parte do Monte Olimpo.
Somos todos objetos de consumo. Há um ou dois anos fui a um Congresso em que não recebi um crachá de identificação onde não estava escrito “Médico” como usual, mas “Prescritor”. Esse é o auge do consumo. O médico interessa nos estandes por sua caneta e carimbo. Alguns laboratórios oferecem carimbos Pret a Porter nos Congressos. Vemos uma fila de colegas dobrando a esquina, esperando pelo mimo que custa menos de quarenta reais em qualquer esquina. Carimbo, caneta e receituários são o que importa. Se está escrito “Prescritor” então teremos moças bonitas e sorridentes dando brindes, sacolas e cafezinhos gourmet para o visitante. Tudo pelo sua receita.
Os ideais do Hesicasmo que Jean Leloup aprendeu no Monte Athos começam por “Foge” e depois “Cala”. Os místicos buscam os lugares desérticos para fugir do barulho e da angústia da cidade. Procuram ouvir a harmonia da vida, que está mais perto do barulho do vento mexendo nas árvores do que no carro cantando os pneus nos semáforos. Um paciente observou que eu gosto de fazer consultório em ruas escondidas e meio tétricas à noite. Espero que sejam ruas calmas, não assustadoras. Mas gosto mesmo delas, talvez porque nós, os terapeutas modernos, sejamos aparentados desses terapeutas de Alexandria e da Antiguidade, onde o silêncio era o ativador natural dos processos de cura. Na medida em que as terapias vão se tornando terapias de resultados, onde os terapeutas estão se tornando técnicos com o apito na boca preenchendo formulários e checklists que atestem a melhora ou a piora do freguês, digo, do paciente, vamos perdendo contato com a Origem. No começo, a cura era o silêncio.
Talvez o silêncio do consultório seja dos últimos lugares para onde as pessoas possam Fugir e Calar. Antes da caneta, do carimbo ou dos diários comportamentais, o consultório pode ser um local para onde se foge para ouvir a própria boca silenciada. Ou a fala que saia do imenso palavrório espocando das bocas. Uma fala que venha do coração, como o jovem monge tentou aprender nas montanhas.

Um comentário:

  1. o silêncio como ponte entre a mente e o coração.

    feliz 2014,

    d.

    ResponderExcluir