domingo, 13 de abril de 2014

O Super Homem Venha Nos Restituir a Glória

Psiquiatras, quando aparecem nos filmes, tem uma grande chance de serem os vilões, ou de soarem meio imbecis. Não sei qual opção é pior. Hannibal Lecter, por exemplo, é psiquiatra de ofício. E nem é dos piores. Pelo menos não soa como imbecil.
A segunda temporada de “Sessão de Terapia” na GNT, não fugiu à regra. Ao contrário da primeira temporada, onde os redatores foram mais fiéis ao texto original, na segunda eles acabaram tomando várias “liberdades de criação”. O resultado foi um Theo, o protagonista e terapeuta das “sessões de terapia” mais chato do que nunca, com uma característica irritante em particular: a forma didática e fofa de um mestre escola falando sobre os sentimentos dos pacientes e tentando adequá-los. Uma advogada negra e vistosa (ou afrodescendente e bonita como preferirem) fala de sua raiva do marido, que não quer ter um filho com ela. A moça está chegando aos quarenta e sente uma dúvida profunda sobre o tema. Se não engravidar agora pode se arrepender no futuro. Theo fica pacientemente explicando que o marido já tem um filho do primeiro casamento, por isso hesita e blá, blá e mais blá. Isso não é uma terapia de base analítica. A função do terapeuta é devolver que é devolver que a raiva é da dúvida, que é o que realmente está pegando. Culpar o outro é sempre a saída mais fácil, sobretudo em casamentos. Pendurar a própria infelicidade no outro é manobra mais do que manjada. E o Theo fica lá, discorrendo com infinita paciência. Quando ele conta para a sua terapeuta que vai parar de atender ela fala, com os olhos marejados, que ela o considera um excelente terapeuta. Ai meu Deus.
Nestas últimas semanas estreou outro seriado com temática de psicanálise pop: “Psi”, com roteiro e produção de Contardo Calligaris, no canal pago HBO. Há muitos anos eu tive uma namorada psicanalista que muito me fez sofrer, mas deixou ótimas referências bibliográficas. Calligaris foi uma delas, antes dele virar esse cronista psicanalítico. Leitura lacaniana das psicoses de boa pegada. Depois virou colunista da Folha e seus textos pelo menos afastam o discurso Psi da autoajuda deslavada. É só dar um pulo nas livrarias para ver a dificuldade de diferenciar as estantes de Psicologia das de Autoajuda.
A primeira impressão que eu tive sobre “Psi”era que Calligaris está, como diria Nelson Rodrigues, em período de furioso enamoramento de si mesmo. O personagem principal é Carlo Antonini, um psicanalista, ou, poderia dizer, um superpsicanalista, que interpreta casais que estão trocando porradas num restaurante, ajuda e se envolve com uma moça que faz malabarismo em semáforos, aconselha uma namorada de seu filho que é uma “skin cutter”, quadro grave de paciente que faz cortes de gilete em sua pele para aliviar sentimentos de profunda angústia, e por aí vai. Interpretações de cama, mesa e banho. Não tem nenhuma situação Psi que Carlo não consiga transformar com suas perguntas desconcertantes e suas tiradas divertidas. Carlo é o cara. O nome italiano não é por acaso. O personagem é alterego do roteirista e produtor da série.
Tenho certeza que o autor rebateria essa crítica falando que a série tem um tom de fábula, que é óbvio que não existe um psicanalista assim, amigo de um coveiro chamado Caronte (para quem não sabe, Caronte é um personagem mitológico que conduz as almas para o Reino dos Mortos em sua barca). Caronte é um gerente do cemitério que toma café naqueles copos de boteco citando Camus e Sartre. Tenha dó.
A surpresa desse post é que parece que eu não estou gostando de “Psi”. Ledo engano. Estou gravando e curto cada episódio. E imagino que esse talvez seja o pior problema da série. Eu conheço as referências, entendo o raciocínio e o universo cultural do Dr Carlo Antonini. Fico me sentindo até meio tiozinho da Psiquiatria que juntava diagnóstico e tratamentos clínicos com boas interpretadas e a compreensão de outros campos de Consciência ou do Inconsciente do ser que vem procurar ajuda. Nessa época de Pragmatismo e Funcionalismo, não há espaço para se discutir Estruturalismo ou Existencialismo nos botecos. Eu vou curtir, mas muita gente vai estranhar que o terapeuta diga para a sua ex esposa que a sua convicção pessoal é mais importante que a Lei. De qual Lei ele está falando? Provavelmente da Lei como instância simbólica. Mas não é o que se entende vendo a série. Não sei se as pessoas pouco versadas nas tiradas lacanianas de Carlo vão curtir o babado. Eu vou aproveitar a primeira temporada. Não sei se vai ter a segunda.

Um comentário:

  1. Oi Spinelli,

    Eu parei de ler as crônicas do Calligaris na folha de São Paulo já faz um tempo. Acho ele um chato, egocêntrico, selfie, e como você disse enamorado de si mesmo. Já decidi que não vou assistir a Psi.
    Sem confete, prefiro suas crônicas.....
    bjos e boa Pascoa!,
    Lucia

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