sábado, 3 de maio de 2014

A Nervura do Mal (2a Parte)

Em nosso post anterior, “A Nervura do Mal”, o colega Daniel Martins respondeu e fez reparos às críticas contidas nesse texto à sua aula no Congresso de Clínica Psiquiátrica. Como o objetivo desse blog de 12 seguidores não é de causar polêmica, embora a controvérsia seja sempre benvinda, então vamos situar o leitor no debate.
A aula do Dr Daniel Martins tinha um tema provocativo, com a questão levantada se maldade tem cura? Daniel brincou que não, e fez um ensaio cuja reflexão mais interessante foi situar o Mal como entidade abstrata, difícil de definir em termos médicos. A sua aula também pincelou o risco de uma neuro inimputabilidade (o termo é meu e foi inventado agora). O que significa esse termo? Sabe-se que estudos sobre pessoas capazes de atos de extrema crueldade e nenhuma empatia, chamados de psicopatas pelo senso comum e pelos filmes de psicopata, essas pessoas apresentam pouca sensibilidade da Amígdala Lateral, região de nosso Cérebro que faz a mediação de emoções, como o medo, por exemplo. Nota-se também no histórico dessas pessoas evidências de um maior índice de abusos físicos e psíquicos em sua infância, além de maior morbidade psiquiátrica em seus pais. Essas pessoas seriam doentes mentais, portanto inimputáveis? A falta de sensibilidade nessas regiões garantiria a inocência dessas pessoas, que não teriam como inibir os seus impulsos violentos? Daniel defendeu o Livre Arbítrio como uma marca de nossa condição humana e colocou um limite na tentativa de muitos de transformar agressores em vítimas. Como está claro em seu comentário no post citado, tentou fazer uma demarcação do que pode e não pode ser abarcado pela Medicina diante da agressividade e violência humanas. Na sua resposta, também fica claro uma coisa: o Mal não é relativo. Uma pessoa abusar sexualmente de uma criança que não está em condições de se defender está errado. Posso acrescentar que uma menina morrer de complicações de inanição porque defende o seu estilo de vida próprio, que chamamos de Anorexia Nervosa, também é errado e demanda tratamento. Nisso concordamos.
Não concordo com nenhum niilismo terapêutico, mesmo quando falamos de pessoas com lesões profundas de caráter e de empatia humanas. Não acho que a Pena de Morte seja a única saída para esses casos, como os programas popularescos insinuam. Citei no post a história de Jack Kornfield que relatou o caso da mãe que visitou, ajudou e tratou do menino de rua que assassinou a tiros o seu filho apenas para mostrar à sua gangue que era capaz disso. Um caso brasileiro foi o pai de Ives Ota, um menino de 8 anos que foi sequestrado e morto por dois rapazes; ele visitou e perdoou os assassinos de seu filho. Não acho, como muita gente da área pensaria, que o comportamento dessas pessoas seria uma defesa maníaca diante da tragédia e uma desesperada tentativa de reparar a desespero com o Amor. Ou, diriam alguns, a Negação do próprio ódio. Imagino que a dor e o absurdo possam mobilizar nas pessoas um salto de consciência em que nossas miudezas e neuroses ficam de lado e a compreensão sobre a infinita estupidez humana se torna mais clara e possível. Daí o perdão do imperdoável. Atingir esse nível de consciência é muito, muito raro. Mas não impossível. Diversos estudos com meditação, diversos tipos de psicoterapias e reabilitação de pacientes antissociais, o atual nome dos psicopatas, mostram resultados limitados, mas animadores.
Concluo, diante da pergunta da aula do Dr Daniel Martins, que o Mal não tem cura, já que ele não é uma doença. Em termos junguianos, gostaria de acrescentar que o Mal é uma realidade psíquica e uma força presente em nossas vidas. Bastante presente em nossos dias. A maldade tem cura? Não sei tem cura, mas tem tratamento. Ele não é fácil nem popular. É mais fácil deixar a discussão sobre o tratamento dessas pessoas nos programas do Datena do que nos Congressos. Sob essa ótica, acho que a aula perdeu a oportunidade de abrir um bom debate.

2 comentários:

  1. Olá, Marco,
    é tão difícil ter um diálogo inteligente em tempos de internet que não resisti a prolongar um pouco a conversa.
    Acho que chegamos no acordo de que a maldade não é relativa, mas também não é doença.
    Isso não implica, como posso ter deixado transparecer, que não há o que ser feito. Sempre há algo a ser tentado, e também acredito no poder transformador do Amor (ainda que não atribua a ele poder ilimitado, já que atua em seres limitados como nós).
    Aceito que perdi a oportunidade de deixar isso claro, mas por outro lado minha posição firme (mesmo [principalmente?] quando recorre à ironia) é uma reação à tentativa irresponsável com a qual me deparo mais frequentemente, de colocar na conta da medicina, e atualmente das neurociências, o peso de explicar e corrigir a maldade.
    Abraço.

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  2. Mais uma vez, obrigado pela sua contribuição, Daniel. Abç

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