domingo, 5 de julho de 2015

Acolhimento

Uma das coisas que aprendi com o Budismo me ajudou estranhamente a entender a Psicologia ou as Psicologias: elas falam sobre o caminho da Iluminação, que pode ser de três tipos – Buda, Darma e Sangha. Me perdoem os budistas os erros de grafia ou de interpretação, mas lá vai.
O caminho de Buda é de profunda interiorização, é a busca da libertação através da Meditação, uma meditação que possibilite a percepção profunda da natureza das coisas e da própria vida. Jung entendeu o seu processo de Individuação como um mergulho interior na direção do Centro, que ele chamou de Self. Ele mergulhou nas imagens interiores e seguiu as suas intuições profundas para escolher os caminhos de sua vida e de seu estudo. O caminho de Buda é um caminho de busca interior e profunda de compreensão da vida.
O caminho do Darma é um pouco mais fácil de entender. Darma é a nossa missão, o grão de areia que a nossa existência veio acrescentar à praia da vida. Entendo o Darma como a ordem profunda que é inerente à essa vida. Quando Jesus pede, no Getsêmani, para ser poupado se possível, para afastar de si o Cálice de sofrimento que sabia ser o seu destino, para depois vivê-lo integralmente, estava indagando o seu Darma, ou sentido profundo de seu sacrifício. Todo dia fazemos coisas que parecem sem sentido, toleramos situações e esperas insuportáveis com a sensação de que aquela é a coisa certa a se fazer, mesmo que não seja possível compreender suas razões por um bom tempo. Estamos dando nosso tributo ao Darma. O seu caminho é viver a integralidade da Vida e de nossa vocação, mesmo que isso exija grandes sacrifícios.
Finalmente temos o caminho do Sangha, que é o do encontro com o Outro, o cuidado com a comunidade. Há um documentário no Netflix chamado Happy (“Feliz”) que vai motivar outros posts desse blog, onde várias e paradoxais histórias de dor e felicidade são retratadas. Uma delas é de Osaka, uma pequena ilha do Japão onde se encontra o maiores índices de longevidade e de pessoas centenárias do planeta. Muito se pesquisa sobre Osaka, sobre a sua dieta rica em frutos do mar e pobre em calorias, o que sem dúvida contribui para seus índices de saúde, mas o documentário lança uma luz sobre outro aspecto dessa saúde, que é a força de acolhimento que existe nessa comunidade. Uma velhinha que perdeu o marido na guerra observa que não tem filhos, não tem uma família que cuide de sua velhice. A família que a acolhe é aquele grupo de pessoas que se cuidam mutuamente, sobretudo uma amiga que ela puxa para perto das câmeras que é o seu anjo da guarda. Aquele grupo de velhinhas é o seu Sangha.
Há um contraponto entre a força do Sangha dessa pequena comunidade e a vida corrida e infeliz de Tóquio, onde as pessoas vivem para o trabalho e a produção até o limite da exaustão. Será que isso não é mais familiar à nossa experiência?
Uma das radicalidades de Jesus foi a sua relação com o Sangha. Uma cena do Evangelho que me marcou foi quando ele dá uma bronca em sua mãe que pedia mais atenção a ela e seus irmãos em uma situação social. Mãe é toda mão que me dá de comer e irmão é toda pessoa que senta comigo à mesa. Era escandaloso na época sentar à mesa com coletores de impostos, publicanos, samaritanos, o que Jesus fazia e não estava nem aí. Irmão é o Outro. Muitos séculos antes da Modernidade, Jesus advertia que os laços de família não podem ser pretexto para o isolamento e o egoísmo. Parece que ainda não foi muito assimilado neste ponto.
Engraçado que, apesar desse blog descer a lenha na gigantesca Ilha de Caras das redes sociais, veículo de narcisismos baratos e exibições de felicidades de plástico, pode ser que, em seu aspecto positivo, elas possam ter um sentido de Sangha, com uma sensação de pertencimento e acolhimento que não temos mais em nossa vida real. Não tenho nenhuma dúvida que isso também signifique o contrário, com grupos de ódio e de segregação, mas essa talvez seja uma das contradições mais agudas de nosso tempo: a tensão entre o acolher e o excluir. Este deve ser o caminho do Sangha.


3 comentários:

  1. Refletindo como sempre sobre seus textos, acredito que a ausência de acolhimento nos tempos atuais se deve à incapacidade de acorlhermos a nós mesmos. Não somos mais capazes de acolher nossos próprios sentimentos quer de esperança, quer de angústia. Ou seja, não conseguimos lidar com nós mesmos. Assim, como identificar nos outros, o que este indivíduo precisa?! Desaprendemos, porque perdemos a pratica. Não temos mais tempo, não somos mais ensinados e nos tornamos superficiais demais para isso... Somente a simplicidade de uma pequena ilha para levar as pessoas de volta a simples tarefa de ser... humano... Poderia produzir o acolhimento....

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  2. Você acredita em que?

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