domingo, 12 de julho de 2015

Compaixão

Há uma cena de um filme que eu adoro, que é “A Última Tentação de Cristo”, um filme de Martin Scorsese do final dos anos oitenta que ficou pouco tempo em cartaz, por ameaças de bomba aos cinemas; na cena, Jesus anda ao lado de Judas, cercados de uma multidão de aleijados, cegos e mancos. Jesus afirma que aquele será o exército que vai conquistar o mundo. Judas observa que vão precisar de uns homens mais fortinhos que aqueles caras...
Vivemos numa cultura mais helênica e apolínea do que imaginamos. O ideal da cultura é a simetria, o equilíbrio, a justa medida, o belo. Até o termo Patologia, que significa estudo das doenças, usa o mesmo termo, Pathos, que significa Emoção, Afeto profundo, para um Doença. O desequilíbrio dos afetos seria a fonte das doenças. Até hoje recebo pessoas com doenças graves que buscam dentro de si os Afetos negativos que causaram sua doença. Não basta ter um Câncer, a pessoa ainda tem que conviver com uma acusação velada de “o que você fez consigo mesmo para desenvolver essa doença?”. Uma estratégia de defesa primitiva, que indica mau prognóstico de um paciente, é a Responsabilização. Lembro de uma paciente que afirmou que o grande culpado por seus problemas era Deus, que havia sido muito injusto com ela e agora deveria reparar o seu erro colocando um bom homem na sua vida. Respondi então que era só arrumar um Deus maior que Deus para obrigá-lo a reparar seus erros com ela e com o resto da humanidade. Ela não voltou mais ao consultório. Acho que uma terapia de base analítica não seria promissora no seu caso. Seria melhor um advogado com bons contatos, para encontrar jurisprudência e processar o Criador. Essa é a defesa da Responsabilização. A culpa não é minha, é do Outro. Quando acontece algo com alguém que muito nos assusta, passamos à defesa da Responsabilização: para a pessoa que tem uma Diabetes: “Também, ela engordou tão rápido”. Ou a mulher atacada sexualmente, pois “Estava usando uma roupa curta”. Temos a tendência a culpar a vítima, que é uma forma de responsabilizar o sofredor pelo seu sofrimento. Essa é uma forma de manter o feio, o fraco, o desagradável fora do campo de consciência.
Quando chega a comida num restaurante bacana, pipocam os flashes dos celulares das fotos que serão imediatamente postadas nas redes sociais dos pratos igualmente bacanas do restaurante bacana. Postar a foto é mais importante do que comer o prato. É muito importante mostrar ao mundo como eu vivo uma vida incrivelmente bacana. Ninguém posta a foto chorando no banheiro ou constatando que o ponteiro da balança continua subindo. Todos queremos selfies de felicidade borbulhante, eliminando a doença, a tristeza, a feiúra de nossas postagens. É dentro de quatro paredes que as emoções negativas ficam esperando, por todos, geralmente para a tentativa de escondê-las ou eliminá-las. As estratégias são várias: Esquiva, Fuga, Projeção, Responsabilização, Uso de Bebida, Compulsões, Ruminação e outras tantas. Tudo porque não se consegue criar um espaço interno de aceitação dessas emoções, desses sentimentos que se tenta suprimir, ou fingir que não existem.
A cena do filme fala de uma ideia familiar aos terapeutas junguianos: quando nosso lado doente, fraco, medroso e triste é acolhido e integrado, em vez de ficar na Sombra comendo a nossa energia, ficamos empoderados, fortalecidos, ao contrário do que se pensa. Houve um cara na história que criou uma guerra com a ideia de que conseguiria criar o super homem se conseguisse eliminar a fraqueza do mundo: seu nome era Adolf Hitler. Precisamos de nosso lado doente para exercitar um afeto sublime, que é a compaixão.
Muita gente fica horrorizada só de pensar que acolher e validar os seus sentimentos “inaceitáveis”, o que é uma forma de cura e transformação. Preferem continuar postando as fotos do prato enquanto a comida esfria.

11 comentários:

  1. O ideal da cultura não é a simetria, equilibria, justa medida, o belo.
    A sua visão de cultura ideal é muito triste. É uma mistura de doutrinas éticas…um pouco estoica, um pouco aristotélica (que prega o equilíbrio e a justa medida, mas no final do livro destrói seu discurso determinando que apenas um desequilíbrio afetivo dele é a maior forma de equilíbrio, e com um brilhante final doutrinaria da ética da estética. Basicamente helenica a sua visão de ideal de cultura.
    Com paixão há um desequilíbrio afetivo e, que por muito tempo fora considerado uma doença. Mas será?
    Usar a estratégia da responsabilização é quase um sinonimo de autopiedade. Culpar deus é acreditar que ela é a pessoa mais importante, ou uma das mais importantes e, por isso deus está lá para causar problemas na vida dela é porque, coitada ela é de uma grandeza única que deu tanta insegurança em deus que agora é a razão da existência dele causar problemas para a pobre mulher. Estranho, não? É o nível do conforto que é a incapacidade de que muitas vezes é só tentar fazer um pouco diferente. Talvez seja uma pessoa chata o suficiente que nasceu chata, mas nunca passou pela cabeça a simples ideia de mudar um pouco? A culpa não é dela, nem de deus. nem de nada. É apenas considerar que ela tá fazendo algo de um jeito que não dá certo. ela podia pensar em mudar a estratégia que algo poderia dar certo? Mas pensar talvez seja a grande coisa. As pessoas evitam, dizem que pensam, mas pensam através do pensamento dos outros, replicam, não é culpa delas, é a incapacidade de reflexão mesmo. Alguém cometer um erro não faz da pessoa alguém que vai ser responsabilizado para sempre por esse erro. não deve. Se um funcionário meu comete um erro no trabalho, eu devo chamar a responsabilidade para mim, para consertar o que ocorreu. Se ela erra a mesma coisa várias vezes, não continua sendo responsável, só demonstra que é incapaz.
    Mas do culpado à vitima, é maniqueísta. A mulher atacada sexualmente é culpada dentro da corrente da vitimologia que atenua quem o ato. dolos eventuais, posso considerar que no melhor pensamento a corrente da vitimologia pode pensar assim. há um ato doloso contra a vitima, um exemplificação extrema,
    Não existe algo como atribuir a responsabilidade do sofrimento ao sofredor sem isentar o sofredor da sua culpa ou dolo. Tem uma razão lógica, as humanidades foram capazes de aplicar a lógica boleada, mas vamos considerar que as humanidades…rs…logo, está discussão é bem longa. Então eu direi que foi apenas um exemplo equivocado…
    Acredito que a autopiedade é um ato doloso a si mesmo, culpar o outro é um ato doloso contra si mesmo. Temos fases, elas passam.
    pelas próximas semanas eu vou me transformar no multey, apenas porque é prazeroso, eu tenho culpa? não. O mundo é culpado? não. Só peço que me aguentem, já vai passar. é uma licença poética para eu me preparar para o que vem por aí.
    É inaceitável uma pessoa não ser capaz de refletir a relação culpa e culpado.Não aceitar o que é facilmente aceitável é só uma zona de conforto que é muito muito muito grande, da sua sala à um restaurante.. E, voce pode tirar foto de comida, sem dor na consciência. Por favor, tire foto do seu sashimi, por exemplo. Supostamente o seu sashimi não vai esfriar. E, neste momento, o ato condenável de tirar foto da comida foi resolvido de uma forma simples. Aceite o inaceitável com a azeitona, o sashimi. Eu divido o meu título de sui generis com você.

    ResponderExcluir
  2. Flatine, resumindo!?.....

    ResponderExcluir
  3. Flatine, hã ?

    Mestre, não vai ter réplica ???

    Edison

    ResponderExcluir
  4. Deixo a comentário postado, se não for ofensivo a ninguém. Mas não vou replicar, Edison. Abç

    ResponderExcluir
  5. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  6. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  7. Ótimo texto! Muito atual. Parabéns pela clareza.

    ResponderExcluir
  8. Ótimo texto! Muito atual. Parabéns pela clareza.

    ResponderExcluir
  9. Ótimo texto! Muito atual. Parabéns pela clareza.

    ResponderExcluir