domingo, 19 de julho de 2015

Divertida (?) Mente

Se você que está entrando nesse blog não assistiu o novo filme da Pixar, “Divertida Mente” (título em português novamente lamentável para o original, “Inside Out”), talvez seja melhor correr para algum cinema e vê-lo. Vou evitar alguns spoilers, mas outros não. Vamos lá.
Os antecessores dos psiquiatras e psicoterapeutas foram os xamãs, os curandeiros, os sacerdotes. Eles entendiam a Depressão como um estado de Perda da Alma e faziam seus rituais para trazer de volta a alma perdida. Muitas vezes, depois de um tempo de tratamento eu finalmente me apresento para a pessoa que, gradualmente, vai recuperando as suas próprias características, como se estivesse exilada de si própria e tivesse que fazer um longo caminho de volta para se reencontrar. Um caminho de volta que atribuímos aos medicamentos, mas que é muito mais que isso, na opinião desse escriba. Quando a doença começa a melhorar, finalmente eu tenho a impressão de receber a pessoa “de verdade”, não aquela que chegou ao consultório.
Eu seria capaz de jurar que algum roteirista de “Inside Out” passou por uma Depressão ou teve alguém muito próximo com a doença. De preferência, algum adolescente deprimido. A personagem principal do filme é uma garotinha, Riley, filha única de pais amorosos e de uma família tradicional, em que a mãe cuida dela full time e seu pai trabalha numa pequena cidade, em Connecticut. De uma maneira abrupta a família é obrigada a se mudar para uma nova vida em São Francisco (será que o pai perdeu seu emprego na crise de 2008?). As Emoções Primárias de Riley são representadas por cinco personagens que operam da Sala de Controle: Alegria, que parece uma fada, Tristeza, Medo, Raiva e Nojo. A nova casa é feia e antiga, a cidade é assustadora e, como em muitas situações de nossa vida, Riley experimenta um Ponto de Mutação, onde tudo vira de ponta cabeça: ela perde seu quintal, sua escola, sua melhor amiga e seu time de hockey sobre o gelo, de uma vez só. Alegria tenta coordenar todas as outras emoções primárias para ver o lado bom da situação e animar a menina. A maior dificuldade é manter sob controle a desajeitada Tristeza, que começa a contaminar toda a experiência de Riley. Durante uma briga pela Identidade fundamental da menina, Alegria e Tristeza são sugadas para dentro da Psique de Riley. Na Sala de Controle ficam Medo, Raiva e Nojo. Esse pedaço é muito legal. A Depressão em Adolescente muitas vezes não se manifesta com tristeza. O que aparece é uma irritabilidade profunda e constante, com variações e mudanças abruptas de Humor, explosões de raiva e aversão à tudo. A personagem chamada de Nojo, na verdade em Inglês se chama “Disgust”, que é Repulsa. No caso dos adolescentes, um Tédio profundo e constante, em todas situações.
Estou falando de uma situação extrema, que é a Depressão, mas a idade de Riley, doze anos, é bem a transição em que somos expulsos do paraíso da Infância e de repente lançados no labirinto das relações com o grupo, na necessidade de autonomia e no medo de não conseguir completar a travessia. Isso se dá na revolução da Pré Adolescência, que começa já entre os nove e dez anos. O referencial de Alegria e Tristeza se perdem nesse processo, e a antiga menina fofa e amorosa, que olha o mundo de maneira encantada se torna uma monstrinha irritável, entediada e perdida dentro dos seus medos de fracassar, não ser aceita e sofrer bullying de suas colegas. E olha que colocaram tudo isso no filme de maneira engraçada, mas a Mente de Riley nessa travessia pode ser tudo, menos Divertida.
O filme vai mostrar a jornada de volta para a Sala de Controle, da Alegria e da Tristeza. Tratar uma Depressão é exatamente isso, uma longa jornada de volta para casa. A Depressão de Riley dura alguns dias, mas, na vida real, essa jornada costuma durar muito mais tempo. Muito mais tempo. Os pais que o digam. Os que já passaram por isso que o digam.
Freud descobriu que a matriz de muitos sintomas psíquicos é um conflito de forças psíquicas antagônicas. No filme, o conflito permanente é entre Alegria e Tristeza. Alegria é uma fada bem intencionada, que quer prolongar ao máximo a infância de Riley. É um personagem bem atual, nesse tempo de infantilização coletiva. A Infância hoje em dia dura uns vinte e cinco anos e todos querem se divertir o tempo todo. Esse esforço de se manter alegre à qualquer custo leva Riley à Depressão. Dona Alegria, percebe, numa cena que marejou os meus olhos de lágrimas, que não há como atravessar aquele conflito sem manifestar a Tristeza. A desajeitada Tristeza assume o comando e Riley pode, finalmente, expressar o luto e a dor por tudo o que estava deixando para inciar a sua nova jornada, a Puberdade. Em nossa cultura de alegria de plástico e de redes sociais, não há como crescer sem integrar Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Tédio. Como dizia uma velha música de Cazuza: “A tristeza é uma maneira/ Da gente se salvar depois”...

7 comentários:

  1. Perfeito Dr. Marco. Incrível leitura do filme e da alma humana.

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  2. Oi Spinelli,

    Eu também assisti o filme com minha sobrinha. Achei bem interessante quando ela está dentro do onibus. Não há nenhum sentimento - ausência de tudo! Nem chorar!
    Achei muito inteligente e acho que representaram bem a depressão - parece a ausência dos sentimentos.
    bjos,
    Lucia Andrade

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  3. mas qual é a historia do filme mesmo?

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  4. Mestre,
    Quanto vale essa $inop$e super-avançada ?

    Edison

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  5. Marco..após meses e meses sem ler teu blog..resolvi entrar hj..e acredite..acabei de chegar em casa pois estava no cinema com meu filho aqui em Portugal e vimos Divertida mente....me emocionei com tamanha sincronicidade m grande abraço e grata sempre Kuka

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  6. Meu psiquiatra querido!
    Esse filme!!!
    Confesso que na parte em que a Alegria percebe que a Tristeza faz parte da experiência de vida e da evolução da Riley...que ela é tão necessária quanto a alegria.... eu chorei que nem um bebê ! rs.
    Dramática como sou, peguei uma afeição enorme pela tristeza e até confesso que a alegria me irritou umas duas vezes durante o filme! rsrs
    Realmente, essa jornada "de volta para casa" ( para o meu verdadeiro eu) é difícil, mas ao mesmo tempo é deliciosa! Me descobrir se torna cada dia mais uma aventura incrível, bagunçada e colorida...exótica(mente) eu!

    Adoro suas postagens, me dá vontade de pesquisar sobre todos os temas para discutir com você no consultório!
    :D

    Um abraço grande,

    Letícia Farnesi

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  7. Mestre, assisti o filme ontem no Now e agora relendo este post antigo, posso dizer com toda certeza que vc será o susbstituto da Gloria Pires no próximo Oscar.
    Filme desenho, imagens infantis, tema super adulto e complexo.
    E vc sabe ler a mente e alma humana como ninguém.

    Um abraço.

    Edison

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