domingo, 13 de setembro de 2015

Consciência em Tempo Real

Foi numa noite do ano de 1619 que o filósofo Descartes teve uma espécie de visão mística em que percebeu que a Natureza poderia ser descrita através de regularidades matemáticas. A sua visão inaugurava uma era em que os números falam mais do que as palavras. Quando uma pessoa vem procurar tratamento, não imagina que vai ser quantificada de todas as maneiras: quantas vezes teve os sintomas, qual foi a sua resposta a tratamentos, quantas pessoas de sua família tiveram quadros clínicos correlatos, quando foi seu primeiro episódio e assim por diante. Tudo isso pode ser lido em um algoritmo que vai determinar se aquele caso tem uma chance maior ou menor de responder aos tratamentos. Como eu já falei em post anterior, o paciente não tem nenhum benefício em saber de suas chances, se tem 60 por cento de chance de cura também significa que também tem 40 por cento de chance de morrer. Para o paciente, tudo é 100 por cento, dando certo ou errado as tentativas de tratamento.
Descartes também intuiu que o processo de Pensamento tinha um valor fundamental na percepção da própria existência. É seu o famoso aforisma: “Penso, logo Existo”. Uma ameba não pensa, mas ainda assim, existe. Mas não se percebe como algo vivo, ou existente. A ênfase de Descartes no Pensamento ajudou muito a humanidade na criação de uma visão racional do mundo, de uma teoria que permite prever e controlar alguns fenômenos. Jung foi viajar para a África, em uma tribo primitiva, todos vibravam ao nascer do Sol, um sinal de que as suas preces haviam sido atendidas. Para essa tribo, os seus rituais criavam o mundo e garantiam o nascimento do Sol, dia após dia. Um tipo de pensamento que a Antropologia chamou de Animismo, isto é, tudo tem vida e se comporta de maneira consciente, inclusive o Sol. O Pensamento racional descartou esse tipo de crença, mas alguns estudos descrevem queda de mortalidade quando pessoas oram por cirurgias, ou diminuição de criminalidade em cidades onde há um massivo esforço de oração ou meditação. Tudo ridículo para uma Ciência baseada na medição e explicação dos fenômenos. O Sol nasce e se põe por leis descritas por outro grande pensador, Isaac Newton.
O poder do pensamento sobre o mundo criou também uma doença séria para nós modernos, que é o Pensamento em turbilhão, ou o excesso de ruído interior. Já escrevi sobre isso no post sobre Pensamentos Reverberantes, mas é sempre bom lembrar: vivemos num mundo em que as pessoas pensam demais e sentem de menos. Pensar o tempo todo sobre futuro e perfeccionismo pode gerar alguns filhotes indesejáveis, como a antecipação negativa do futuro e a criação permanente de cenários catastróficos que podem virar profecias autorrealizáveis. Para ter uma Doença de Pânico basta a primeira crise, o resto é antecipação. Um desconforto vira uma aflição, que vira um aperto na barriga, que vai para o peito e termina numa sensação insuportável de morte iminente, ou da sensação que o mundo todo está para desmoronar. Tudo isso numa espiral desagradável em que o medo de ter medo cria toda a crise, até a crise ir parar numa maca gelada de Pronto Socorro.
O “Penso logo Existo” deve ser substituído pelo “Sinto logo Percebo a Existência”. Uma técnica milenar da meditação Mindfulness consiste em observar os Pensamentos de fora, como um objeto exterior à minha própria Consciência. Quando observamos os Pensamentos de fora, como a criação de uma Meta Consciência dentro do campo de nossa percepção, e esse outro Eu pode observar o curso dos Pensamentos de maneira neutra e sem julgamentos, até os mesmos se dissiparem, estamos criando um antídoto ao Pensamento em Turbilhão.
Fico imaginando se essa também uma das incríveis intuições freudianas, em escutar atentamente ao fluxo de pensamentos e angústias dos pacientes com esse olhar testemunhante de uma vida. Ë como se o terapeuta fosse ou ajudasse a formatar essa Meta Consciência, tornando o paciente capaz de escutar a si próprio de uma maneira serena e, quem sabe, mais branda. Dia 19 deste mês vou fazer um workshop sobre o Transtorno de Pânico e trabalhar os Pensamentos Reverberantes, a excessiva Preocupação e construção de cenários e a autocobrança e perfeccionismo. Tudo isso pode gerar e gera crises de Pânico. Mas muito pior do que o Pânico, esse super pensamento pode manter o sujeito sempre deslocado de sua própria vida, enquanto ela está acontecendo em Tempo Real.
Se algum seguidor do blog quiser comparecer ao evento ou obter mais informações, mande um e-mail para lu.magalhaes@uol.com.br .

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