domingo, 21 de maio de 2017

Observador Interno

Já vi mais de uma vez no Netflix o documentário “Free The Mind”, e não tenho certeza se ele já foi citado ou não nesse blog. Uma parte das mais emocionantes enfoca uma escola experimental, ligada a uma faculdade, onde as crianças, na Educação Infantil, recebem aulas diárias de Meditação e Educação Emocional. O foco principal do documentário é sobre um menino com diagnóstico de Déficit de Atenção e que apresenta muitos sintomas na classe e como a escola e as professoras fazem para ajudá-lo. Muitas vezes o menino explode, chora e tem várias dificuldades em lidar com seus medos e angústias. As professoras dão para ele um brinquedo, daqueles comuns nos Estados Unidos, que são aquelas bolas de vidro com umas casinhas e paisagens que, ao ser chacoalhadas parecem cheias de neves circulando, como uma chuva. Se os movimentos param, a “neve” vai assentando, como se a chuva estivesse parando. A função do brinquedo, nessa escola, é mostrar para o menino que as emoções podem sair do controle ou mesmo explodir, até que tudo parece muito bagunçado e caótico, mas, se ele ficar olhando sem fazer nada, a raiva ou o medo vai passando e se autorganizando.
O garoto morre de medo de andar no elevador, pois ficou preso nele uma vez. O filme mostra as múltiplas tentativas das professoras tentando ajudá-lo a superar o medo. Ele fracassa inúmeras vezes, até finalmente subir no elevador com sua bolinha de vidro, chacoalhada várias vezes para indicar a sua confusão interna. Numa das tentativas ele fica olhando fixamente para a “neve” se assentando, até o elevador chegar ao seu destino e ele poder descer, calmamente. O mais curioso é a atitude das professoras, que não fazem muito alarde quando ele consegue finalmente superar o medo. Ninguém comemora ou faz festa para a pequena grande conquista do garoto, como era de se esperar. Acho que foi de propósito. Provavelmente uma tentativa de não criar mais uma grande emoção quando o garoto entrasse no elevador de novo. Entrar com os amiguinhos e ir para outro andar é o absolutamente natural, não precisa criar um sistema de recompensas para cumprir a tarefa.
Parece uma manobra pueril para se adotar com uma criança muito pequena. Mais alguns anos e é capaz do menino jogar a bola na cabeça de algum desafeto. Será que os resultados dessa educação emocional serão duradouros? Espero que sim. Uma manobra tão simples como essa tem um fundamento muito profundo e genial: as emoções apresentam um período de instalação e outro de recuperação. Um dos sintomas de desregulação emocional é a Labilidade Afetiva, justamente quando as emoções pulam de um afeto a outro sem nenhuma modulação. Por exemplo, isso se observa quando a pessoa começa a chorar na conversa e, com uma brincadeira, passa imediatamente a gargalhar e fazer piadas. Uma paciente chegou uma vez no Pronto Atendimento batendo boca com a enfermagem porque queria ser atendida sem fazer a ficha e passando na frente das outras pessoas. Minha colega observou que seu cabelo estava lindo e as duas entabularam uma conversa sobre xampus e escovas. Ela foi atendida enquanto o acompanhante fazia a ficha. As atendentes olharam maravilhadas. A manobra foi justamente aproveitar o estado de labilidade e superficialidade de afetos para mudar o assunto e desfazer o climão que ameaçava virar uma briga mais grave. Salvo em quadros psiquiátricos, as emoções não pulam de galho em galho. Elas levam um tempo para se instalarem e outro tempo para mudar de grau ou de forma de expressão.
Dar o brinquedo para a criança ensina duas coisas incríveis: criar um observador interno para acompanhar as emoções em sua montanha russa, sem interferir ou se fundir com elas; criado esse observador, a segunda tarefa é observar os flocos de neve subirem e descerem, até a fúria se dissipar. Fico imaginando os padres, depois do “Eu vos declaro marido e mulher” entregando a tal bolinha para os noivos levarem para casa. Quanta terapia de casal vai se economizar se os pombinhos aprenderem a observar a raiva subindo e descendo antes de falar absurdos ou fazer acusações, cobranças e ataques de nervos em geral.
Pensando melhor ainda, vou parar de escrever e procurar um brinquedo desses na Amazon. Vou andar com isso na minha mão o tempo todo.

7 comentários:

  1. hahaha...puxa vida, Dr., me é tão agradável acompanhar essa aproximação entre as ciências da mente e a meditação...algo em mim diz que em alguns anos meditar será tão prosaico quanto se exercitar....oxalá...

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  2. Cibele Lott Peixoto23 de maio de 2017 às 17:57

    Dr. li um post antigo que fala de Constelação familiar. Gostaria de saber sua opinião a respeito.

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    1. É a segunda vez que vc pede, Cibele. Não sou especialista e não sei se me cabe meter a colher no assunto, mas vou escrever um post, ok? Só preciso estudar um pouco. Bj

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  3. Ah !!! Quero uma bolinha dessas ...
    Ganhei da minha professora de ioga um vidrinho com água e purpurina . Que quando balançado , representa exatamente a mente em turbilhão . E quando posto em repouso , vê-se a purpurina se assentando...como os pensamentos se aquietando .
    Na verdade a bolinha nada mais é do que esse vidrinho , um pouco mais sofisticada !
    Saudade de você , querido Dr Marco !

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    1. Acho que devíamos produzir essa bola em série, então (rsrs); Bj, Regina.

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