domingo, 28 de maio de 2017

Haters

O Ministério Público investiga um comentário feito em redes sociais após o pavoroso atentado terrorista em Manchester, Inglaterra, nesta semana. A moça escreveu algo como “Que pena que isso não aconteceu na Bahia, para explodir aqueles escurinhos kkkk”. Adorável, não ? Um comentário em redes sociais é um comentário público, sujeito às penas da lei, portanto espero que a moça passe algumas horas de trabalho social trocando crianças “escurinhas”. Poderia ajudá-la a ampliar sua limitada visão da vida.
O atentado de Manchester foi perpetrado por um inglês de origem líbia, com as características dos lobos solitários que tem servido a grupos terroristas: origem pobre, família de imigrantes, de base islâmica ou não, que são recrutados após frequentar sites e chats de ódio. Passam por treinamento na Síria para atentados realizados por pequenas células ou mesmo uma pessoa só. O rapaz de 22 anos que explodiu artefato caseiro (e potente)na saída de um show repleto de crianças e adolescentes e seus pais, para vingar “as crianças mortas na Síria” em bombardeios de aliados, passou por todo esse processo. Seu pai na Líbia, recusou-se a acreditar que seu filho poderia ter planejado e perpetrado o ato monstruoso. Dizem os sites que ele jurou vingar a morte de um amigo após atropelamento, aparentemente um acidente. Menciono isso para mostrar a característica indiscriminada do ódio: vou vingar crianças bombardeadas por americanos e meu amigo atropelado, matando crianças em show na minha cidade. Explodir o outro é uma forma de explodir o silêncio que o cerca. Ou a falta de significado, uma doença de alma muito grave de nossa modernidade.
O comentário da moça, com seus “kkk s” após a tragédia, talvez seja o sintoma de outra doença de nossa época , que é fazer comentários nauseantes para atrair atenção ou mostrar que “você não está nem aí “. A tal da trolagem.
Na semana passada assisti ao novo clipe de Mallú Magalhães , “Você Não Presta”. A princípio achei que fosse um remake de Jorge Benjor. A música é completamente Jorge Benjor. Mas não , a música e letra são da Mallú, jovem prodígio da MPB que estourou em 2010 com 15 anos. O som talvez seja um passo para sua maturidade musical, ainda mais precoce. O clipe tem um corpo de baile de street dance que embeleza cada estrofe. Não são corpos perfeitos, nem panicats saradas, a dança nem sempre segue a música, muitas vezes contracena com ela. Gostei do samba rock, gostei do balé . Mallú canta bem e dança mal, tornando a dança que a cerca mais relevante. Pois isso gerou comentários de um vlogueiro/vogleira que viu numa cantora branca cercada de bailarinos e bailarinas negros e mulatos uma exploração/exposição dos corpos negros. Uma exploração racista de corpos negros usados de forma ornamental. Isso ganhou um volume tal, com a adesão de pessoas de movimento negro, que a artista veio a público pedir desculpas (?!) se o vídeo transmitia essa impressão.
Os “Haters”,ou os "Detestantes", sempre infestaram a internet. A diferença é que agora estão ampliando o seu volume, criando falsas acusações, generalizações enlouquecidas e a busca reiterada da polarização, do “nós contra eles”. Manifestantes quebraram e incendiaram prédios da Esplanada dos Ministérios nessa semana, mostrando aos coxinhas “como se faz manifestação”. A polarização é uma saída fácil , pois desliga nossa capacidade de pensar e empatizar com o outro. Uma artista de 20 e poucos anos vira uma racista, uma moça deseja que a bomba exploda os escurinhos, um deputado comemora a violência da manifestação, um rapaz com a mesma idade da Mallú detona um artefato para matar o maior número possível de crianças num show.
É óbvio que há uma diferença profunda, dramática, entre os vários casos descritos, mas há entre eles um ponto em comum: está na hora das pessoas de bem levantarem sua voz contra a cultura do ódio. Está na hora de parar de tratar isso como fenômeno passageiro. Está na hora de uma mobilização contra o ódio e a exclusão, que são, em algum ponto, o combustível da dominação e da ignorância. Não concordo com o pedido de desculpas emitido pelo estafe de Mallú Magalhães. Concordo de coração com o comentário de uma moça, que infelizmente vou ter que dizer que é afrodescendente, pois isso deveria ser irrelevante, que mencionou que foi ver o clipe por conta da polêmica e tinha adorado e se “convertido” à Mallú. Palmas para ela. Ou para elas.

Um comentário:

  1. O mundo está muito chato, muito mimimi, é o azul contra o amarelo,o vermelho contra o verde,parece jardim de infância!

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