domingo, 4 de junho de 2017

Constelações Familiares

Eu costumo dizer que Constelações Familiares são uma mistura de Psicodrama com Sessão Espírita. Baixa tudo o que é santo por lá, e alguns acabam grudando. Mas não vou usar esse post para atacar esse trabalho, apenas para alertar sobre sua potência e necessidade de uso consciente.
Cibele, leitora dessas mal tecladas linhas, me pediu duas vezes para abordar esse assunto nos comentários do Blog. Eu me fiz de rogado, porque conheço, mas não aplico a técnica. Li alguns livros de Bert Hellinger, criador das Constelações Familiares, e me encantei com seu alcance. Aliás, escrevi Hellinger errado no outro post e ainda não fui corrigir. De certa forma, falar do trabalho como um estrangeiro pode me ajudar a manter distância e equilíbrio. Distância e equilíbrio nem sempre são minhas melhores qualidades.
Uma senhora uma vez me descreveu a técnica familiar de sempre cortar a ponta das peças da carne antes de assá-las. Finalmente alguém perguntou o motivo de excluir quase um terço da peça do prato final. Ela foi perguntar para a sua avó porque cortavam as pontas das peças de carne. A avó lembrou que eram muito pobres e tinham uma assadeira pequena. Para caber a peça de carne, era necessário cortar as pontas. O resto serviria como mistura a semana inteira. Podemos dizer que esse episódio ilustra o que a Psicologia chama de Esquema. Esquemas são sistemas de crença e de comportamento que as famílias, os clãs, os países e as culturas adotam como o Certo e a Verdade mesmo que não baseado em nenhuma razão objetiva. Junguianos chamariam isso de Complexos Familiares, imprintings de memória e comportamento que se espalham de geração em geração. Essa é a raiz da Cultura e de algumas tragédias.
Nas Constelações Familiares, o terapeuta/facilitador (não gosto do termo facilitador, mas não vou falar disso hoje) levanta uma questão, que se manifesta como sintoma. A pessoa fala de ataques de medo imotivado, que lhe causam tremores. As pessoas presentes na Constelação começam a ocupar papéis do drama inconsciente que se desenrola: o pai autoritário, as crianças quietas na mesa do jantar. Entra uma visita. Alguém está escondida atrás da porta, tremendo. A paciente lembra da história de uma moça, de origem judaica, que sua família escondeu dos nazistas durante a guerra, que ficava escondida atrás das portas mesmo depois que a guerra acabou. Ela percebe que sempre treme quando algo bate à sua porta na vida.
A Psicologia da Gestalt esteve muito em moda nos anos setenta, hoje mal se fala sobre ela. Gestalt quer dizer totalidade. Quando algo está foracluído da consciência, atua como sintoma. A Gestalt fazia vivências para incluir e trazer de volta ao sistema o que estava represado, reprimido. Isso é um ponto importante em muitas correntes de Psicologia: revelar o que foi recalcado e integrá-lo. Uma paciente minha interrompeu a vivência de Constelação Familiar quando a terapeuta a fez olhar para a amante de seu pai, que teve um filho dele, e pedir perdão pelo desprezo e ódio que tinha recebido em todos aqueles anos. Ela não pode se libertar do Esquema familiar de que aquela mulher era uma vaca, destruidora de casamentos. Coincidentemente ou não, seu casamento não ia bem, justamente porque ela não conseguia confiar no marido nem ter uma boa vida sexual com ele. Mas não dava para pedir perdão à tal da Megera, que continuou atuando nas sombras. A Gestalt não se fechou.
As Constelações Familiares fazem então o trabalho da velha Gestalt: trazem os elementos dispersos para dentro do Todo. Bert Hellinger, que não era nem junguiano nem freudiano, buscava nas vivências Integração, Reparação e, se tiver sorte, Perdão, como arma potente e terapêutica. Mas...E sempre tem um Mas, já peguei à unha duas pacientes que saíram dessas vivências com um forte risco suicida. Ficar mexendo indiscriminadamente nos complexos familiares pode fazer o terapeuta tropeçar em algumas granadas e, pior, granadas que podem explodir semanas depois das vivências. Não me oponho que meus pacientes participem, mas porque sei que vou estar na retaguarda se o caldo entornar. Quando os pacientes estão na vigência de quadros psiquiátricos maiores, como Depressão ou Transtorno de Pânico, nunca autorizo a ir cutucar o Inconsciente em momentos de fragilidade. Existe um oba oba de aplicações de técnicas potentes, por terapeutas que fizeram cursos de fim de semana. Tem muita gente bondosa e bem intencionada mexendo onde não sabe e não deve mexer.
Eu não acredito em terapias, acredito em terapeutas. Diz o ditado taoísta que o Método certo aplicado pela pessoa errada sempre vai dar errado; o Método errado aplicado pela pessoa certa, pode dar certo. Portanto, ao se submeter às Constelações Familiares, fique de olho em Quem e Como aplica. Aliás, isso vale para todas as terapias.


5 comentários:

  1. Às vezes, a ignorância é uma benção...

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  2. Nossa, Dr., não poderia concordar mais com a sua conclusão (que pretensão a minha, né?)..eu parei de beber ayahuasca justamente pq perdi a confiança em quem me orientava....hoje, nem meditação eu indico para ninguém....como diz a Monja Coen (já citada aqui) "a mente é um campo muito ardiloso".

    Valeu pelo post!

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  3. Isto explica porque meu coração treme toda vez que escuto falar de "Constelação Familiar". Assisti uma vez e achei esquisito... Obrigada!

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  4. Obrigada dr. querido por falar do assunto e pelas palavras. Vc sempre equilibrado, tenho saudades das nossas conversas. Continuo aprendendo por aqui. Um grande abraço.

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    1. Oi, Cibele. Até que a pauta que vc propôs acabou sendo um sucesso (rsrs). Bj

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