sábado, 4 de setembro de 2010

Cirurgia Plástica e Imagem Corporal

Para você que chegou agora, olhe as últimas 3 postagens, que falam sobre o tema de uma aula, ok? Obrigado. Do que falávamos mesmo? Ah, Imagem Corporal. Vamos nessa.
Na esquina de minha rua tinha um barbeiro, daqueles que cortavam cabelo com a navalha, o Ranulfo, carinhosamente alcunhado por nós de Pomba, pelo o que fazia em nossas cabeças. Quando o simpático mas algo tosco Pomba acabava os seus cortes de cabelo e finalmente mostrava a sua "obra" para a minha mãe, eu e meu irmão saudávamos o sucesso de seu corte com uma crise de choro. Evitávamos olhar para o espelho por algumas semanas, sem mencionar as gargalhadas que nos esperavam na escola. Escapamos por pouco de um Transtorno Dismórfico Corporal, pois todos os elementos da doença lá estavam à nossa disposição: mudança da imagem corporal, prejuízo da autoestima, medo do olhar crítico e do ridículo público. Quando um cirurgião mexe na aparência de uma pessoa, notadamente no nariz que é o ponto de equilíbrio ou de desequilíbrio de uma fisionomia, os primeiros contatos com o espelho são particularmente dramáticos, pois haverá uma fase inicial onde a imagem desse rosto vai ser reorganizada nas redes neurais do paciente. Nesse momento pode haver uma espécie de curto circuito ansioso, onde a pessoa não consegue se reconhecer naquela que está refletida no espelho. Esse "não sou eu" deve fazer o médico se sentir como o Pomba vendo as crianças aplaudindo o seu corte militar com choro e palavrões.
A Neurociência vem descrevendo nos últimos 20 anos a capacidade do Cérebro mudar os seus mapas e imagens mentais diante de mudanças na entrada e saída de informação, num fenômeno chamado Neuroplasticidade. Este processo permite ao paciente criar para si uma nova imagem, sem a experiência do sábio chinês Chuang Tzu, que sonhou que era uma borboleta e acordou sem saber se era um sábio sonhando ser uma borboleta ou se era uma borboleta sonhando ser Chuang Tzu. Apesar da estranheza inicial, o nosso Cérebro tem a capacidade de reorganizar a sua Imagem Corporal quase imediatamente quando a nova imagem aparece, sem imaginar -se uma borboleta, ou uma lagarta.
A cena do médico tirando as bandagens de um paciente, no momento de mostrar o resultado de uma cirurgia já foi bastante explorada pelo cinema e televisão, sempre como suspense se o paciente vai ou não aceitar o resultado, a nova face refletida no espelho. Esse é o momento crucial,onde a imagem que o paciente guardava de si vai ser modificada, remapeada em suas redes neurais. Uma reação catastrófica pode gerar um período de não reconhecimento da própria imagem, com todos os outros sintomas do Transtorno Dismórfico Corporal, como olhar obsessivamente para o espelho várias vezes ao dia, a preocupação obsessiva com o orgão operado até a tentativa de esconder a nova imagem com bonés, cabelo e barba ou até máscaras semelhantes às usadas por Michael Jackson. O trabalho de recuperação consiste em diminuir, com o uso de medicamentos e psicoterapia, essa reação catastrófica de não reconhecimento para o paciente poder fazer a sua reorganização de imagem corporal da melhor forma possível. Esse deve ser o pesadelo de um cirurgião plástico, o mesmo do barbeiro da esquina de minha rua. Mas é bom saber e orientar o paciente que se trata de uma doença que pode ser adequadamente tratada.

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