domingo, 6 de janeiro de 2013

Blogstórias - A Flor e o Tempo

Foi depois de muito tempo que ele finalmente entendeu, ou achou que entendeu. Lembrou de uma história antiga, que ouviu numa palestra de um monge budista. Depois de atingir a iluminação, o príncipe Sidarta atingiu o estado de iluminação. Um estado chamado de estado de Buda. Foi o fim de uma longa busca e de um mergulho em profundezas psíquicas nunca antes exploradas. Mas o jovem Buda não achava possível transmitir o que havia aprendido. Não havia palavras humanas que pudessem traduzir a beleza e a imensidão que ele havia presenciado. Foi preciso um coro de iluminados que implorassem para ele ao menos tentar transmitir um pouco do que vislumbrara. Foi essa história que lhe ocorreu em meio a mais uma madrugada quente e insone. Depois de atingir a iluminação, Sidarta reuniu os seus discípulos para fazer a sua exposição. A sua apresentação foi bastante sucinta e até hoje nunca igualada: apanhou uma flor e fez com ela um movimento suave, quase infinito. Foi como se o tempo tivesse parado enquanto a flor se movia em sua mão. Diz a lenda que só um dos discípulos, cujo nome me foge, atingiu a iluminação diante dessa exposição.
Ele sempre achou essa história uma daquelas charadas zen sem resposta. Talvez Sidarta tivesse descoberto o Existencialismo, vinte e cinco séculos antes. A existência precede a essência. A existência da flor é algo absoluto e se justifica por si. Os terapeutas existencialistas de vinte e cinco séculos depois devem ter aproveitado essa cena, para repetirem, como um mantra: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”. E assim por diante. A rosa existe e só. Não há rosa significante, só uma rosa existente. Os psicanalistas discordam, mas esse não foi o tema de sua compreensão. A questão não é a rosa, nunca foi a rosa. A questão é o movimento, extremamente lento, que tornou a flor infinita. Sidarta atingiu um tempo fora do tempo, desdobrou o tempo, apenas movendo a flor.
Foi essa a sensação de profunda compreensão que o atingiu como um raio. Ele entendeu que o movimento da flor, em sua infinita consciência, conectava quem compreendesse com um tempo fora do tempo, onde a consciência poderia se expandir e se espreguiçar, para fora das preocupações do dia a dia, da infinita mesquinhez de nossos pensamentos. Depois disso, sempre que ele quer soltar uma frase agressiva, ou destratar a sua esposa com seu infinito mau humor de marido, ou quando tem uma tarefa chatérrima que ele gostaria de adiar ao dia de São Nunca, ele faz um movimento com a sua flor imaginária e se sente desprendido do maldito tiquetaque do tempo. Finalmente, a partir dessa nova percepção, ele começou a se aproximar da ideia da compaixão. Compaixão não é sentir pena, nem sentir a dor que o Outro sente. Compaixão é entrar nessa outra frequência e observar o correcorre dos homens formiga, sempre indo para lugar nenhum.

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