sábado, 12 de janeiro de 2013

Jung para Crianças: o Visível e o Invisível

O cenário é um salão de jogos de um hotel, com alguns videogames antiquados que as crianças usam meio que por falta de opção. São poucas crianças e elas são observadas por uma velha senhora que tenta passar despercebida no canto da sala, perto da porta de saída. As crianças brincam sem percebê-la e ela não parece se importar com isso. Finalmente, uma menina acaba por notá-la e se aproxima, hesitante. A senhora está com os olhos baixos, lendo uma espécie de programa de curso e demora a levantar os olhos para não assustá-la ou desencorajá-la. Finalmente, depois dessa lenta aproximação, os olhares se cruzam, num “oi” silencioso. A menina acaba por quebrar o silêncio.
- Você é daqui?
- Daqui, aonde? – respondeu com olhos risonhos.
- Daqui, ué...
- Da sala de jogos?
- É.
- Não sou, não. Estou aqui no evento.
- A minha mãe também está nesse tal de evento.
A senhora sorriu uma espécie de “ok” e voltou a baixar os olhos.
- Você veio dar aula?
- Acho que sim. Vim dar uma aula e assistir outras aulas. É isso que a gente faz nos eventos.
- Mas você não é velha?
Dessa vez ela realmente levantou os olhos, fazendo força para segurar o riso.
- A gente pode continuar assistindo aula depois que fica velha, meu bem.
A menina não se deu por vencida.
- E você veio dar aula do que?
- Vim falar sobre Alquimia.
Olhou com uma cara de “o que é isso?”.
- Alquimia é uma coisa que gente muito, muito antiga, fazia no passado. Eram pessoas muito sábias que passaram uma grande parte de sua vida no laboratório, para descobrir coisas.
- Que coisas?
Limpou a garganta para responder. As perguntas estavam ficando difíceis.
- Essas pessoas ficavam escondidas nos laboratórios para tentar encontrar remédios, e substâncias para curar as doenças das pessoas e deixá-las sempre jovens.
Pensou um pouco antes de responder.
- Isso a minha mãe tem no banheiro.
- O que a sua mãe tem no banheiro?
- Ela tem uns remédios e uns cremes para não ficar velha. É isso que eles faziam?
Teve que fazer força, de novo, para não rir.
- De certa forma, sim. Eles queriam encontrar uma espécie de suco, de elixir, para curar todas as doenças e fazer o tempo parar dentro das células. E olha que eles nem sabia que existiam as células.
- Eu sei o que são células (tomou um ar de menina sabida): as células são os tijolinhos que se juntam para formar os tecidos, como a nossa pele.
- Muito bem!
- O meu pai me ensinou o que são células.
- Parabéns para você e seu pai.
- Mas quando você vai dar aula?
- (Suspirando) Acho que daqui a algumas horas.
- Você não sabe se vai dar aula?
- Não.
- Por que?
- Porque eu acho que eles esqueceram de me colocar no programa do evento.
- Como assim?
- Eles me mandaram um programa inicial, eu preparei a aula, cheguei aqui no hotel, a aula não estava mais. Acho que foi um erro da menina que mandou o programa para a gráfica. As pessoas da minha mesa redonda também ficaram de fora. Algumas já ficaram bravas e foram embora, inclusive.
- E você não ficou brava?
- (Coçando a cabeça) Como você já notou, eu estou um pouco velha. Já aprendi a enxergar a dificuldade de outro jeito.
- Como assim?
- Quando acontece alguma coisa assim eu me pergunto: onde isso vai me levar? O que vai acontecer agora? O que eu vou aprender com isso?
- Você aprende?
Olhou para ela com ar travesso.
- Eu sou velha mas estou sempre aprendendo, viu, sua folgada? Não quero nunca parar de aprender.
- E o que v ocê está aprendendo agora?
- Estou aprendendo a conversar com você. Estou aprendendo a esperar o que vai acontecer e a ter mais e mais paciência. Isso era uma coisa muito importante para os alquimistas: esperar, compreender, aprender com os erros. Essas coisas que estão fora de moda.
- Você está fora de moda?
Pensou mais longamente antes de responder.
- Para muita gente, eu estou fora de moda. Sim senhora. Mas ainda tem muita gente que quer aprender como usar o fogão.
- Que fogão?
- O fogão dos alquimistas.
- Eles cozinhavam?
- E como...
- O que eles cozinhavam?
- Cozinhavam coisas do mundo invisível para trazer o invisível para o mundo visível.
Fez uma cara de nada entender, uma espécie de careta engraçada.
- Eu sei que você não entendeu, mas não se preocupe. Aqui nesse evento, quase ninguém acredita no invisível.
- Eu tenho um amigo invisível.
- (Flexionou a sobrancelha) É mesmo?
Baixou os olhos, como se estivesse dito algo impróprio.
- Pois isso é muito bom. Você já está mais preparada para a minha aula que muita gente por aqui. Eles não acreditam em nada que não apareça em seus aparelhos.
- Você acredita no meu amigo?
- Claro que acredito.

2 comentários:

  1. Já estamos em 2013...
    E penso que só agora estou pronta pra te confessar algo que já sentia há mais de uma década, mas não sabia identificar :
    Eu não gosto destes textos em forma de diálogo que vc sempre insistiu em fazer... estas conversas entre uma vovó ou pessoa mais velha e uma criança ou alguém bem mais jovem, desinformado ou imaturo ou inexperiente...
    Este sentimento de "desagrado" só ficou claro agora ao ler este diálogo.
    Depois de 'redescobrir' vc através dos seus Posts e ler dia à dia quase todos eles com um interesse genuíno ... Infelizmente cheguei neste muito desconsolada!
    Toda a paixão do seu conhecimento e interesses que vc transmite escrevendo sendo vc mesmo é indubitávelmente seu ponto forte.
    Toda luz que emana de seus textos pessoais é incomparávelmente mais penetrante que todo o resto.
    beijo repleto de carinho

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    1. Obrigado pela contribuição. Os textos em forma de diálogo vão continuar durante as férias dos textos em primeira pessoa, o que deve durar até Fevereiro, no mínimo. Vou continuar insistindo com esses metadiálogos, eu gosto deles.

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