segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Jung para Crianças (Grandes): por que a Alquimia?

Estava pensativa, meio com vergonha de perguntar. Mas a curiosidade foi maior.
- As pessoas desse evento não vão te deixar falar?
- (Sorrindo) Pelo visto, não.
- Mas você não vai ficar brava?
Pensou um pouco antes de responder.
- Na minha idade a gente economiza braveza, meu bem.
Olhou com a sua mesma cara de “como assim?”.
- Com o tempo, a gente escolhe quando e como brigar. Não vale a pena se aborrecer com a dificuldade que não é sua. As pessoas fazem as coisas sempre na base da correria, acaba dando tudo errado.
Pensou muito antes de falar.
- O meu avô é velho e briga com todo mundo, o tempo todo.
- (Risos) Eu diria que não é todo mundo que aprende com a idade, meu bem. Não é todo mundo. Mas seu avô deve ser uma boa pessoa.
- Não é não.
- Bem, ele deve ter lá os seus motivos.
Parou de falar, fazendo uma careta ao lembrar do seu avô rabugento. Mas logo mudou o assunto.
- Você não quer dar aula para mim?
Coçou a cabeça.
- Mas esse assunto não é chato para você?
- Não sei. Quando você explica não parece chato.
- Pôxa, muito obrigada.
- De nada.
- O que você quer perguntar?
- Por que a Alquimia?
Coçou a cabeça, de novo.
- Começou com uma pergunta difícil, heim? Deixa eu ver... Eu te falei um pouco de Alquimia, não foi?
- Foi.
- Há muitos séculos que esses sábios se enfiavam nos laboratórios para fazer experiências. Eles tentavam encontrar uma pedra.
- Uma pedra?
- Sim. Uma pedra chamada Pedra Filosofal.
- Passavam a vida toda tentando encontrar a tal da pedra?
- Aí é que tá uma coisa difícil de explicar: teoricamente eles procuravam por uma Pedra que pudesse curar as doenças e transformar qualquer material, sobretudo o material mais sujo, mais podre, em ouro. Até hoje as pessoas acham que eles eram uns simplórios brincando de comidinha. Você gosta de brincar de comidinha?
- Gosto.
- Então. As pessoas acham que eles eram crianças brincando de laboratório. Foi só muito tempo depois que um psiquiatra que eu gosto, chamado Jung, descobriu que aqueles escritos não falavam só de experiências sem método. Ele descobriu que os Alquimistas estavam procurando por uma pedra que não estava nas panelas, mas dentro das pessoas. Você entendeu?
- Não.
- Pois é. Não é só você que não entende. Muita gente não entende.
- Então me explica.
- Explico. Dentro daqui (apontou para o seu peito) tem um diamante escondido. O diamante é a pedra mais preciosa que existe no mundo. É também indestrutível, nada pode quebrar o diamante. Só que ele nasce meio escondido e com o tempo vai ficando mais escondido ainda. As pessoas passam por decepções, perdas, medos e isso vai deixando o diamante cheio de sujeira e de sangue. Com o tempo, as pessoas duvidam que exista essa pedra dentro dela, acha que o mundo é essa luta mesmo, que não adianta olhar para dentro. Por isso que o pessoal do evento esqueceu de nossa mesa redonda.
Olhou com aquela cara, de novo.
- As pessoas começam a duvidar que exista algo mais profundo, algo que não é visível. Por isso ficam com raiva quando alguém fala sobre isso.
- A moça não colocou vocês de propósito, então?
- Acho que não. (Divagando). Acho que não. Mas é estranho a organização errar justo com quem vai falar do Eu profundo. É como se isso não merecesse muita atenção, mesmo.
Pensou um pouco antes de afirmar:
- Ninguém acredita em Alquimia.
- Quase ninguém, querida. Quase ninguém.
- Você acredita?
- (Suspiro) Acredito que tem um Eu Profundo e que ele participa de nossa vida, a gente querendo ou não. Acredito que esse Eu quer se revelar em nossa vida e que precisamos limpar muita sujeira para chegar nele. Acredito que a Pedra Filosofal é parte desse processo de busca profunda de uma Psique cada vez mais límpida, cada vez mais pura.
- O que é psíquia?
- Ah, desculpe. Me entusiasmei. Psique é tudo o que vive em sua mente, e também fora dela. Tudo o que você pensa e tudo o que pensa dentro de você. Parece difícil de entender, mas não é. Psique é tudo o que faz você ficar ouvindo essa velha senhora, quando ninguém mais quer fazê-lo. Psique é tudo o que fica aparecendo nos seus sonhos e nos seus pensamentos.
- A Pedra Filosofal está nessa tal de psiquia?
- (Olhou espantada) Pois você acabou de entender o que a maioria das pessoas não entendem, querida. A Pedra Filosofal, o diamante da alma, está dentro da gente. Os alquimistas passavam anos na frente do fogo, queimando, dissolvendo, limpando, sujando, para tentar polir, purificar, revelar a Pedra.
- É isso que você faz?
- É isso que eu faço.
- Você é uma alquimista, então.
Coçou a cabeça.
- Sabe que eu nunca tinha pensado nisso?

Um comentário:

  1. Demais de bom Marco Antonio, aguardando mais cenas, imagens , capítulos e conversas desta história. Estou como a menina, curiosa, com os olhos vidrados nesta velha sábia.
    Beijo

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