domingo, 21 de julho de 2013

Provar Para Todo Mundo

Lacan descreveu um período importantíssimo na vida de um ser humano, nos seus primeiros anos de vida: o Estadio do Espelho, uma época em que a criança sabe que existe a partir de sua imagem refletida nos olhos do Outro, sobretudo a sua mãe. O próprio senso de Ser, ou, por estranho que possa parecer, a sensação de merecer a própria existência, vai ser estruturada nessa fase. A falta desse olhar pode fazer muito estrago no desenvolvimento de uma psique. Falhas nessa fase frequentemente dão ao sujeito uma sensação muito profunda de desvalia, assim como a necessidade de se provar, o tempo todo.
Estou lembrando desse conceito dando sequência ao texto de ontem, sobre querer, ou não, provar alguma coisa para as pessoas. Uma música do Renato Russo dizia isso: “...quando o que eu mais queria/ Era provar pra todo mundo/ que eu não precisava provar nada pra ninguém”. Interessante ironia. Mostra como é difícil viver sem tentar provar algo a alguém. Outro dia ligou uma senhora no consultório, querendo me entrevistar antes de marcar a consulta. Quem sou eu? Quais são as minhas credenciais? Qual o meu curriculum? A secretária ponderou que isso já está subentendido pela fonte encaminhadora. Não sei se ela lesse esse blog iria ser uma ótima referência, ou se desse uma clicada em meu nome no Google. Nada. A mulher queria porque queria me sabatinar. Está esperando até hoje. Será que os cabelos e a barba rala grisalha já me permitem não responder a esse tipo de exigência? Se a minha agenda estivesse cheia de buracos eu iria responder às perguntas da senhora, que não sabe a diferença entre Marco Spinelli e Hannibal Lecter? Se eu fosse mais budista deveria ter compaixão com os medos da senhora?
Se a senhora conhecesse alguma coisa como o tempo lógico, entenderia que não ligar foi a minha resposta. Não vou entrar nesse jogo. Se isso me qualifica para ser o seu médico, ótimo. Senão, continue procurando. Estou numa fase em que não preciso provar a minha competência? Não acho que seja esse o caso. Prefiro acreditar que a tal conversa é na verdade um jogo de poder: em vez de ser procurado por uma pessoa que supostamente está precisando de ajuda, eu preciso me esforçar para poder ajudá-la. Eu tenho que desejar o tratamento, antes da pessoa que está vindo para a consulta. Isso tem um sotaque narcísico que já conheço de outros carnavais.
A pessoa que se coloca em um lugar de exigir que o outro prove alguma coisa, está se colocando no lugar de Juiz. Essa instância julgadora vai se outorgar o papel de examinadora do outro, alguém que tem o Poder dentro da relação. Lembro de um moleque que foi para aquele programa do Roberto Justus, “O Aprendiz”, felizmente retirado da grade das emissoras, bem como o seu apresentador. Na hora da Avaliação/Inquisição de praxe, ele falou que demitia o Roberto Justus do cargo de chefe, que ele nunca quereria ser comandado por um sujeito daquele naipe. Finalmente um bom momento nesse reality show. O avaliado avaliando o avaliador.
Como este post está muito lacaniano, vou falar de uma frase do homem que eu adoro: “Um analista só se valida por si próprio”. Essa frase responde a questão levantada nesses posts. Por mais que sejamos avaliados todo dia, por clientes, familiares, amigos, redes sociais, redes de fofocas, enfim, mesmo sendo continuamente questionados sobre a nossa competência, de Domingo a Domingo, durante todos os dias de nossa vida, não vai ser um diploma, uma conta bancária ou qualquer método quantitativo que vai avaliar o valor de alguém. A validação só pode partir de si mesmo. E conhecer as próprias limitações talvez seja muito mais importante que as qualidades.

Um comentário:

  1. Oi Marco,isso me lembrou de termos abordado sobre essa questão tempos atrás. Não é o outro que me valida para algo ou mesmo para alguém... sou eu que me avalio, que coloco o valor que vale meu trabalho... acima de tudo sou eu que me autorizo a estar pronta, apta a realizar uma função, um papel, uma determinada relação. O outro por sua vez é quem dará o sentido pra tudo isso ser.
    Bom retorno.
    Beijo

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