sexta-feira, 5 de julho de 2013

Circuito Oval

Steve Jobs, o homem que criou e depois recriou a Apple, falou em mais de uma entrevista que a grande questão para um moleque de vinte e poucos anos com cem milhões de dólares na conta, sempre passou longe do dinheiro. Ficar rico muito cedo tem essas vantagens. Desde então, a sua questão era mudar o mundo e ele o fez. Uma vez ele contratou um executivo da Coca Cola justamente com esse argumento: você pode passar a sua vida vendendo água com açúcar (muito açúcar) ou pode vir aqui mudar o mundo. Eu gosto dessas histórias, mesmo sabendo que Steve Jobs não era nenhum anjo e suas intenções não eram de salvar ninguém, mas, antes, derrotar seus concorrentes, como qualquer filho do Hipercapitalismo e do Hiperconsumo. Mas quando compramos um fone de ouvido da Apple, somos convidados a apreciar o design, o capricho, a sedução de tudo o que está ali, da facilidade de manuseio à perfomance do produto. Aquilo é que é um marketing bem feito, com imenso capricho e detalhismo que construiu um conceito.
Não estou aqui para vender nenhum produto da Apple, nem fazer uma ode a Steve Jobs. Fico na verdade suspirando pela falta de utopia dentro da minha área de atuação. A Psiquiatria evoluiu muito, muito, nessas décadas em que eu a pratico e hoje está batendo às portas da manipulação genética, mudando expressões e equilíbrios entre os genes. Mas isso ainda parece muito pouco. Vivemos num mundo acelerado e a Medicina pode fazer o papel dos mecânicos que trocam as peças dos Fórmulas 1 na beira da pista para devolvê-los para a corrida. Uma corrida que parece daqueles circuitos ovais, para ver quem produz mais, quem consome mais, quem ganha mais posições antes do motor finalmente pifar ou se autodestruir.
Hoje uma parte polpuda dos recursos do SUS para a Psiquiatria são gastos com programas de fornecimento de medicamentos de segunda e terceira geração para tratar a Esquizofrenia, o que acaba gerando uma situação esquizofrênica, gastando 60% do dinheiro com uma doença que afeta 1 a 3% da população. O Estresse, que nem doença é, afeta uma parte bem mais significativa da nossa vida. A principal fonte de doença, que é o Estresse, passa diluído do discurso e na ação da Medicina e na especialidade que mais deveria se ocupar dela, que é a minha. Procuramos por drogas que reduzam os efeitos e protejam nossos pacientes do Ansiedade e suas complicações, mas não temos uma proposta clara e aplicável em grande escala, de como reduzir ou transformar, o estresse de nossos pacientes. Os laboratórios, que ganham seus bilhõezinhos às custas do estresse, também não estão muito interessados em diminuir esse sofrimento. Quem deveria se interessar pela pesquisa de ponta na redução do estresse e no aumento de resiliência da população deveriam ser as Empresas Seguradoras e os Planos de Saúde, que economizariam uma soma exorbitante de dinheiro em exames, procedimentos e consultas de pessoas que, simplesmente, não conseguem parar de se angustiar com o futuro e com o devir, com medo de se tornarem carros velhos e obsoletos, incapazes de voltar para a corrida.
Um caminho que já sabemos tomar e criar corredores mais conscientes do jogo e que sabem dosar cada vez melhor a energia gasta correndo e a capacidade de reabastecimento nos pit stops. A questão é que estão todos viciados na corrida. Ainda.

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