sábado, 29 de junho de 2013

Efeitos Colaterais

Finalmente assisti ao novo filme de Soderbergh, “Side Effects” (título lamentável brasileiro- “Terapia de Risco”). Os pacientes trazem o filme para dentro do consultório, lá vou eu ver do que se trata. A impressão inicial é que seria um filme que levantaria o véu dos perigos dos psicofármacos e as relações igualmente perigosas entre psiquiatras e os laboratórios, que devem uma significativa fatia de seus lucros a remédios dessa linha.
Para quem não assistiu o filme, vou tentar não entregar o final, mas não posso garantí-lo. O filme começa com a saída de um rapaz, condenado por crime financeiro, da prisão. A sua saída, que deveria ser motivo de alegria, começa a provocar em sua jovem esposa um comportamento progressivamente autodestrutivo. Sem motivo aparente, ela acelera o seu automóvel contra o muro do estacionamento. No Pronto Socorro, ela é atendida por um jovem e atencioso psiquiatra, que opta por não interná-la em Hospital Psiquiátrico. Ela vai para seu consultório, onde o seu quadro depressivo vai se aprofundando em meio à má resposta aos medicamentos prescritos. Discutindo o caso com uma colega, psiquiatra que já havia atendido a paciente em crise anterior, ele menciona a má resposta da paciente ao IRSR (esqueçam a sigla). A colega sugere que ele teste a nova droga, Ablixa (nome fictício). A paciente melhora, mas continua apresentando episódios de agressividade, voltada a si própria e, tempos depois, contra o seu marido. Durante um episódios de sonambulismo, a moça esfaqueia e mata o seu marido, voltando a dormir em seguida. Pronto. Muito pano para manga. Medicamento novo com efeitos colaterais desconhecidos e subvalorizados pelo establishment dos laboratórios. Psiquiatra que testa medicamentos contra a ansiedade em seus pacientes particulares. Promotor que tenta obrigar o psiquiatra a depor contra a sua paciente para evitar ser responsabilizado pelo crime, já que ele prescreveu o tal do Ablixa. Muitos panos nessas mangas. A paciente vai até os programas femininos para denunciar a droga que provocou a tragédia. Muitas e importantes questões, algumas embaraçosas. Se a paciente tinha tendências autoagressivas, por que o médico não a internou? O fato de estar trabalhando demais prejudicou o seu julgamento? Como ele não valorizou os episódios anteriores de sonambulismo da paciente? Ele não estava atualizado sobre esses efeitos colaterais?
Para piorar o meu já avançado mal estar, a vida do bem intencionado psiquiatra se dissolve completamente: a mídia o persegue e ele não pode se defender, para não comprometer o Sigilo Profissional. Seus colegas o expulsam do consultório, seus pacientes desaparecem. Pensei em parar de ver o filme. Infelizmente, ou felizmente, para mim, o filme dá uma virada nesse ponto. As questões levantadas, tão importantes quanto delicadas, ficam meio largadas, para o filme virar uma investigação de uma teoria de conspiração. Que pena.
Algumas questões importantes que ficaram abandonadas nessa virada do filme: há uma excessiva ênfase na medicalização dos transtornos depressivos. A paciente pergunta em uma consulta se não haveria um caminho diferente, ou complementar ao medicamentoso, para conseguir a melhora. O cara disse que não. Não é verdade. Os medicamentos podem gerar efeitos imprevisíveis, aumentando a impulsividade dos pacientes. Geralmente, não a ponto de gerar uma tragédia, mas esses efeitos precisam ser monitorados e corrigidos pelo médico quando aparecem. Finalmente, uma Psiquiatria só baseada na coleta de sintomas pode fazer um Zé Mané ignorar um sinal claro que está diante de um caso de Simulação (em inglês, Malingering) e não diante de uma verdadeira alteração de humor. O sinal vem de dentro de seus intestinos (do médico), quando a Depressão se manifesta de forma não linear, bem como as alterações de sono.Fica faltando um pedaço, o que o rapaz ignorou por um bom tempo.
Finalmente, o psiquiatra tenta e deve tentar, sempre, evitar uma internação. Isso o expõe a riscos, assim como expõe o paciente. Uma internação psiquiátrica tem muitas implicações imediatas e tardias na vida de uma pessoa. É um procedimento guardado para proteção de vidas. O filme mostra um psiquiatra que decide correr o risco, pelo o que imagina ser o melhor para a sua paciente. Várias condutas médicas podem ter bons e maus resultados. A diferença está na Atenção Plena do médico aos mesmos, para poder corrigir ou mudar o curso das coisas, quando necessário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário