sábado, 1 de junho de 2013

O Herói e o Trickster

Ontem estava me perguntando ao final do terceiro episódio da franquia “Homem de Ferro” (filmes não são mais filmes, mas franquias em vários episódios e possibilidades de consumo), o que eu estava fazendo lá e como gastei mais de duas horas da minha vida com aquilo. Além da falta impressionante de opções, acho que estava afim de ver Robert Downey Jr e sua perspectiva torta/irônica que nos salva dos heróis musculosos e inquebrantáveis do cinemão americano. Olhando para ele sem pressa, podemos notar que é o completo antiherói: não é musculoso como o Capitão América, não é indestrutível como o SuperHomem, não tem a beleza nórdica do Thor.
Robert Downey Jr é um cinquentão bonitão e malhado, mas está longe da Testosterona exigida para ser um superherói. Ele tinha tudo para ser tragado, como tantas jovens promessas, pelo labirinto de drogas, escândalos e prisões que tornou-o personagem mais comum em páginas policiais do que nos cadernos de Cinema ou Entretenimento. Depois de muitos anos lutando contra a dependência química e os problemas com a justiça, que lhe valeram alguns períodos na prisão, Robert voltou com o dobro do ímpeto para virar um ator de um tipo só: o Tony Stark do Homem de Ferro muito se parece com o Sherlock Holmes, que se parece com o bonitão folgado de outros filmes que eu não vou citar porque não merecem ser recordados. Os personagens de Robert Downey Jr são viris, mas desengonçados com as mulheres, são inteligentíssimos, mas temerários e sempre fazem lambanças por desconsiderarem qualquer norma de segurança. Na Mitologia Grega, que talvez seja a maior base arquetípica do Inconsciente Holywoodiano, seus personagens significam a troca do modelo apolíneo por um herói mais dionisíaco. Isso significa a troca do herói reto e proporcionado pelo herói dado a excessos e erros, sempre pronto a enxergar a verdade na franja desses erros e derrotas. Parece pouco, mas representa a troca do indestrutível Aquiles pelo safo e não tão belo Ulisses, que tira da astúcia mais vitórias do que da força física. Para quem não sabe, na Guerra de Tróia, Aquiles era o mais forte e imbatível dos guerreiros, mas sua condição humana lhe reservava uma fragilidade, que era no seu calcanhar. Os heróis fortões sempre vão ter essa fragilidade oculta, que vai ser mais perigosa na medida que não for considerada. Quando Aquiles foi morto em batalha, Ulisses se aproveitou da sensação de vitória dos troianos para fazer o Cavalo de Tróia. Venceu a guerra com um artifício pouco heróico, mas muito malicioso.
Vivemos num mundo em que a padronização da subjetividade humana é atroz. Os filmes que os cinemas de circuito passam, as cores das roupas que a moda impõe, os check lists de procedimentos em todas as profissões obrigam as pessoas a essa passividade bovina diante do que é ditado pelo “Grande Irmão”. Pouco nos apercebemos, mas vivemos sob a bota dessa subjetividade. Robert Downey Jr voltou das cinzas para ser o herói manhoso, o Trickster arquetípico porque provou do sucesso, do ocaso, da derrota e da tragédia pessoal para voltar pleno de sua capacidade de ser o bom ator que é, mas capaz de traduzir com malícia o cara que aparentemente se rende e representa o Sistema, ao mesmo tempo que ri e despreza os cordeiros que acreditam nesse mesmo Sistema.
O filme começa com um aforisma que caberia muito bem em um texto junguiano: Tony Stark,o bilionário do bem que é assumidamente o Homem de Ferro, afirma que somos sempre os criadores de nossos próprios monstros. Nossa vaidade e nossos medos produzem as dificuldades que teremos que enfrentar todo santo dia. Sua necessidade de multiplicar a força humana através da estrutura de metal vai produzir um inimigo criador de aberrações em sua busca pelo superhumano. O Herói brincalhão vai demorar muito para ele descobrir que o que nos torna superhumanos é nossa própria fragilidade. Aquiles não sabia disso e se deu mal.

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