sábado, 23 de novembro de 2013

Entrevista com os Vampiros

O vampiro Edward é uma fraude arquetípica. Ele é completamente o antivampiro. Atencioso, apaixonado, e sobretudo, capaz de atenção e entrega plenas para a mesma mulher, por toda eternidade. Bella é a garota sem graça disputada por um Vampiro e um Lobisomem na saga Crepúsculo. Escolhe desposar o Vampiro, com medo das pulgas. Edward continua fiel, apaixonado e pronto a morrer pelo seu amor. É uma fraude arquetípica porque é exatamente a inversão do que representa o Vampiro na psique e na vida da mulher. O Vampiro é o Andrógino, o masculino pouco diferenciado, o homem que seduz, suga a energia e a vida da moça para depois voltar para o mundo das sombras. Não há nenhum dia no consultório dos terapeutas em que a figura desse Vampiro não apareça, entre lágrimas e decepções. A mulher liga, manda mensagens, implora por sinais quando ele desaparece sem dó, buscando outros pescoços. O Vampiro é um homem imaturo, que quer o desejo e sobretudo o olhar de muitas, mas foge quando a mulher precisa de alguma presença humana, algum cuidado ou sinal de afeto. Quando está presente, ele é um homem apaixonado e intenso. Quando some, seu silêncio é gelado e implacável. Esse é o motivo de eu chamar Edward de fraude arquetípica.
Ganhei o livro da amiga Andréa Perdigão, “Descaso do Acaso”. A personagem principal, Cíntia, é uma jornalista de 38 anos que procura viver em paz com a sua solidão de mulher pós moderna, assediada por amigas e casais que querem apresentá-la ao “Mr Right”, ou o arquétipo por trás do vampiro, que é o do Príncipe Encantado. Cíntia reafirma que não acredita nesse Príncipe, não acredita em livros de autoajuda e sobretudo, passou longe de todos os livros da saga “Crepúsculo”. Ela recebe de sua editora a tarefa difícil de entrevistar pessoas sobre o tema da Felicidade. Cíntia se recusa a acreditar que o Acaso vai lhe proteger enquanto estiver distraída, mas vai sendo atraída por esse Acaso, como um vampiro que vai se instalando gradualmente em sua vida. Todos os seus entrevistados, depois de reafirmar a própria Felicidade, passam por acidentes e tragédias pessoais. Um casal de amigos apresenta um homem recém separado, Caio, que ela reluta em se entregar mas acaba, como Bella da saga Crepúsculo, irremediavelmente apaixonada. Uma sequência de pequenas coincidências vão conduzindo a sua vida exatamente para onde ela jurou que não iria.
Caio não é o vampiro Edward, nem o seu sucessor, o Christian Grey do “Cinquenta Tons de Cinza”. Não é um milionário em busca do amor verdadeiro. Tem dúvidas, está devastado por uma separação recente. Cíntia é a própria heroína pósmoderna tentando desesperadamente lidar com esse homem ferido: tem medo de sufocá-lo com a sua carência ou o peso imenso de sua espera. A idade que Andréa deu à sua personagem também é dramática, pois é a fase em que o tique taque do tempo aparece em sua urgência. Cíntia não tem filhos, não menciona essa lacuna no livro, mas sabe que Caio pode ser uma das últimas chances de ser mãe.
“Descaso do Acaso” fala de um mundo mais cru e menos encantado do que as comédias românticas ou as sagas de vampiros amorosos e lobisomens delicados. Cíntia é a mulher do nosso tempo, tentando lidar com o homem que recebe mas não percebe a sua generosidade. Um homem que se abre e se retrai com a mesma facilidade. E que tem medo de olhar nos olhos da mulher e dizer a sua verdade. Será que ela vai conseguir capturar esse bicho medroso? Será que vai, mais uma vez, constatar a ausência desse homem na vida da mulher descolada e independente?
Quem acompanha esse blog vai ter que comprar o livro, disponível no site da Livraria da Vila (e em todas as livrarias) para descobrir as respostas. Ou se abrir para novas perguntas.

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