domingo, 3 de novembro de 2013

Esculpir a Vida

Ontem dei uma entrevista sobre um assunto particularmente difícil, que são as Trindades Mtológicas. Não sou um mitólogo, como Joseph Campbell nem como Jung. Falar sobre trindades é falar sobre algo bastante abstrato, e o abstrato anda muito fora de moda. Mas alguma coisa muito boa surgiu na conversa.
Os primeiros deuses que se tem notícia, eram todos relacionados com os elementos e os homens pré históricos criavam deuses diante do medo desses elementos. O Sol era uma divindade. O Trovão. O Bisão e outros animais. A Terra. O Mar. Nas pinturas rupestres ainda podemos ver o assombro e o respeito desse homem, escondido nas cavernas e pintando o que via e o que lhe assombrava: a alegria pelo nascer do Sol e o terror com o cair da Noite. Ainda na mitologia grega, ou na Umbanda, podemos testemunhar a presença dessas divindades que parecem porta vozes desse mundo natural, onde o homem não se sentia separado da Natureza nem o seu Senhor.
Com o passar dos séculos ou dos milênios, os deuses e as mitologias foram ganhando rostos humanos, com o barbudo Zeus trovejando os seus raios ou o pequeno Davi derrotando o gigantesco Golias. Cada povo começou a criar para si a sua própria Mitologia. Se eu tenho medo da tribo vizinha, vou pedir ao meu deus da Guerra que me dê coragem. Se eu vencer o meu inimigo, ele vai adorar o meu Deus e eu vou queimar os seus ídolos. Bin Laden falou em entrevista há poucos anos que a Guerra Santa termina quando o último infiel se converter a Alá. Como podemos ver, o que parece ter acontecido há milênios ainda bate à nossa porta e à nossa Psique.
Falei de uma trindade que me é muito cara, e que já mencionei nesse blog, em post anterior: Bhrama, Vishnu e Shiva. Bhrama constrói, Shiva destrói e Vishnu tenta eternamente equilibrar esses dois princípios. Bhrama antes de virar cerveja, era o princípio da Criação e do Potencial Puro. Hoje ele receberia o apelido de Vácuo Quântico. Tudo pode surgir e se materializar, a partir de Bhrama. Mas ele precisa de Vishnu para materializar essa potência. Como os deuses precisam do homem para existirem e serem amados. Era uma vez um jardineiro, que cultivou o jardim com amor e paciência, adubou as plantas, matou os parasitas e arrancou as ervas daninhas. Uma mulher que passava pelo local ficou maravilhada diante da beleza do jardim e louvou a Deus por ter criado plantas tão maravilhosas. O jardineiro não se conteve e respondeu: “Moça, a senhora precisava ver isso aqui quando era só Deus que estava tomando conta...” . Bhrama está em toda criação, em todo potencial que a Vida tem de se multiplicar. Mas é Vishnu que vai trazer o Incriado para o estado de Manifestação. Como a mão sábia e paciente do jardineiro, Vishnu vai fazer o trabalho duro de dar forma para essa criação. Uma característica de pessoas talentosas, mas imaturas, é saber que tem o potencial, tem a possível capacidade de receber e dar forma à Criação, mas não fazem o trabalho sujo da materialização. Tudo é potencial, mas para o potencial ganhar vida é preciso banhar a terra com o suor e com a dor dessa Materialização. Foi isso que o jardineiro, em sua simplicidade maliciosa, quis dizer para a senhora.
Finalmente, chegamos em Shiva, Shiva é o deus da Destruição. Ele pode parecer ao desavisado como aquele moleque invejoso que vê os meninos fazendo um belo castelo de areia e que aproveita quando eles vão se banhar para chutar a obra e destruí-la. Mas não é isso, não. Shiva destrói o que está velho, o que já está estagnado e produz o eterno movimento da vida, que não pode existir sem a Morte. Costumamos imaginar que Shiva é o Mal, ou o próprio Demônio destruindo e atrapalhando os planos da Criação. A Morte hoje é o grande mal, uma doença que nossa Técnica promete erradicar deste mundo. Isso seria uma pena, pois não há ciclo de Criação que possa se desfazer da Destruição. Nem Vida que possa se aperfeiçoar sem a Morte.
O Bem e o Mal andam entrelaçados, dentro e fora de todos nós. Usar isso para Criar o Novo é tarefa para poucos, pois chutar o castelo de areia é realmente mais fácil do que dar forma a ele. Talvez seja essa a tarefa de uma vida: dar forma à areia amorfa, esculpir uma vida dia após dia e depois deixar que o mar venha e comece todo o processo de novo. Deixamos na areia uma marca invisível, para que as mãos que vierem criem formas cada vez mais complexas na areia informe.

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