segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A Tela dos Sonhos

Há um filme esquecido de Win Wenders do início dos anos 90, "Até O Fim do Mundo", que conta a história de um cientista que pretende devolver a visão às pessoas deficientes visuais através da instalação de microcâmeras cerebrais que permitem traduzir os impulsos das células nervosas em imagens. Hoje em dia esta ficção não está tão distante assim da realidade, com a criação de programas e chips que começam a traduzir em sombras e vultos as imagens de nossa imaginação. Talvez chegue o dia que nossos sonhos possam ser armazenados e acessados no disco rígido de microcomputadores atrás de nossas retinas, para podermos examiná-los in loco. No filme de Win Wenders, o acesso das pessoas ao mundo de seus sonhos e imaginação cria uma horda de pessoas dependentes do próprio Inconsciente, assistindo aos próprios sonhos ou revendo as cenas traumáticas armazenadas nas próprias redes neurais. As pessoas choram e se emocionam com o espetáculo do próprio mundo interno e, no filme, passam o dia inteiro grudadas em suas telas, vendo e revendo sonhos e traumas.
As previsões do filme foram invertidas pela Realidade. Hoje as pessoas não são viciadas em suas buscas interiores e seu mundo interno, muito pelo contrário, os olhos vidrados nas telas não transmitem imagem interiores , mas as exteriores, vídeos sobre celebridades, vídeos fofos de bebês dividindo sorvete com um cachorro, ou vídeos chocantes e virais de moças saltando de uma ponte ou do marido traído chutando o carro do amante de sua esposa na porta do Motel. A profusão de imagens criou a vídeodependência da vida alheia. Sartre dizia que "O Inferno são os Outros"; hoje poderíamos mudar a frase para "O Paraíso é o ridículo alheio". Mas esta é outra história.
A tal da entrevista que mencionei em post anterior acabou meio sem graça, porque entrar no mundo dos sonhos apenas com petelecos de Freud e Jung era muito pouco. Sugeri ampliar o assunto, mas a pauta estava fechada. Beleza. Espero ter ajudado. No filme "À Espera de um Milagre", um de meus favoritos, um guarda de penitenciária descobre que um dos homens que está preso, no Corredor da Morte, é um gigante negro que tem o dom de absorver a doença das pessoas e curá-las completamente. A mulher do diretor do mesmo presídio tem um Tumor Cerebral que lhe causa dores excruciantes e um estado de desinibição que a faz xingar, falar barbaridades e gritar a noite toda. O personagem de Tom Hanks leva o curador inusitado, John Coffey, para ver a senhora doente. O marido e diretor da Penitenciária quase tem um treco quando vê os caras chegando de madrugada com um detento. Fica mais perplexo quando sua esposa tem um claro de lucidez e reconhece o negão, ou o afrodescendentão, e o abraça carinhosamente, lembrando que tinha encontrado com ele em seus sonhos. Ele encosta os seus lábios no dela e chupa uma espécie de granulação negra das energias envolvidas com a doença. Ela fica completamente curada. Ela já sabia que isso iria acontecer, pois já tinha sido visitada em seus sonhos.
Nesses anos de psiquiatra e analista junguiano não foram poucas as situações em que coisas do arco da velha aconteciam em sonhos, desde Crises de Pânico desencadeadas por sonhos aterrorizantes, até dicas e caminhos para a Cura e a superação das dificuldades que afligem os pacientes aparecerem em imagens de seus sonhos. No Templo do Deus da Cura, Asclépio, as pessoas usavam poções para adormecerem e terem sonhos curativos, que geralmente curavam os doentes quando recordavam o que tinham sonhado. Já vi também sonhos compartilhados, em que me "encontrei" com uma paciente no mundo dos sonhos, com o mesmo sonho, na mesma noite. Ou, recentemente, o marido que sonhou com uma briga que teria com a esposa, e o sonho antecipou a briga, o assunto e a posição que ele tomaria em relação ao impasse. Fiquei morrendo de inveja, pois foi como se o Inconsciente estivesse passando cola de como seria a próxima briga e o que ela representava. Ou uma paciente que acordou gritando e falando uma língua estranha, que o marido achou ser Russo, e dois dias depois houve o massacre de crianças russas numa escola Chechena.
Talvez a Psicoterapia seja um dos últimos lugares onde as pessoas desviem os olhos das imagens alheias ou do Outro Infinito de nossa época para olhar com alguma delicadeza para as imagens de seu mundo interno. Talvez a terapia seja um dos últimos redutos de nosso próprio Mundo Interno, que muita gente acredita que não existe mais. Os sonhos canalizam e dão acesso à essas imagens internas que trazem imagens sobre as feridas ocultas e em carne viva de nossa Psique, bem como indicam o caminho do reequilíbrio e da cura dessas feridas. Pena que isso não vai aparecer na revista.

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