sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Expectativas, de novo.

Já vou me desculpando com as meninas, maioria entre os leitores desse blog, mas vou falar de futebol de novo. Mas por uma boa causa.
Tenho alguns clientes gaúchos, todos umas figuras, portadores daquele senso de humor tão devastador quanto engraçado e característico de seu povo. A maioria aqui é colorada, apelido dado à camisa vermelhíssima do Internacional de Porto Alegre. Com certeza, as cores e a rivalidade trazem ecos de Ximangos e Maragatos peleando nas paisagens gaúchas. Pois nessa semana o Colorado foi para o mundo árabe jogar o Campeonato Mundial de Clubes. Fizeram uma grande festa, jogadores pegaram nos microfones cercados de foguetório para prometer raça e suor na busca da vitória e de mais uma estrela encima de seu glorioso escudo. Com meu ouvido seletivo de psicoterapeuta eu separei duas frases proferidas antes do jogo semifinal (é um campeonato que o time sulamericano já entra na semifinal). O jogo era contra um time africano, do Congo, chamado Mazembe. Um jogador do Mazembe falava que quando o time entrava em campo alegre e unido ele tinha a sensação de que nada de ruim poderia acontecer com eles. Já o técnico do Colorado, Celso Roth, trovejava a importância de se respeitar os africanos (cujo time que teria muita dificuldade de jogar a série B no Brasil). Celso Roth vaticinava: "É um jogo que precisamos atingir o erro zero". Ai, ai, aquilo me doeu nos ouvidos. Não existe erro zero, em nenhuma esfera de atividade humana. No dia seguinte, o Mazembe fez o primeiro gol quando seu atacante dominou a bola, ajeitou o corpo e bateu no ângulo do goleiro Renan apenas observado por uma zaga catatônica. Ninguém se moveu para pelo menos ficar na frente, dificultar o chute. Pareciam pregados no chão. Quando o time brasileiro tentou reagir, deu de cara com um goleiro francamente presepeiro, que pula de frente em algumas bolas e comemora os gols dando pulinhos encima da própria bunda. O cara parecia se agigantar diante dos atacantes. No final do jogo, o segundo gol dos africanos, o golpe de misericórdia. Mais pulinhos para o goleiro. Impressionante como a história sempre se repete e não tem nenhum manual de Psicologia Esportiva que ensine isso: quando você cria uma expectativa de perfeição, do tem que ganhar, todas as engrenagens do Inconsciente trazem a dúvida, o será? Temos falado muito disso nos quadros obsessivos amorosos. Quando o outro vira a razão de ser de alguém, o "tem que dar certo" desencadeia uma comédia de erros e desencontros, frequentemente terminando em lágrimas e caixas de bomboms na frente da TV a cabo. Não há situação que queremos que dê certo que não possa dar errado. Isso tem que estar na nossa consciência, ou volta como um fantasma, na pior hora.
Tem uma história zen que eu adoro, que ilustra bem o nosso assunto: Havia no mosteiro um grande mestre, admirado e amado pelos monges. Esse homem tido como iluminado pediu a seus discípulos que deixassem a sala de meditação "perfeita" para a sua volta. Durante alguns dias, os jovens aprendizes se esmeraram em limpar cada milímetro da sala, buscando durante esse processo a perfeição da limpeza, harmonia, equilíbrio no recinto de suas meditações. Quando o mestre chegou de viagem, pôde ver que a sala estava fechada há algum tempo, para que nada perturbasse a sua perfeição. Entrou no recinto, observou os detalhes e, subitamente, saiu. Voltou com um punhado de terra, de folhas e de sujeira que os homens trazem para dentro de suas casas, e espalhou-as pela sala. Alguns monges correram para impedí-lo, ele sorriu e falou: "Agora ela está perfeita".
As vidas, as relações, as dietas e os times de fiutebol são cheios de defeitos, de erros, de imperfeições. As nossas tentativas de diminuir, cuidar, observar os erros são legítimas. Mas o melhor método não é buscar o "Erro Zero", mas antes estarmos atentos a eles, prontos para corrigí-los, em vez de ocultá-los. Os jogadores africanos cometeram vários erros, alguns quase infantis. Mas, na sua alegria, acreditavam que nada de ruim poderia acontecer com eles.

Um comentário:

  1. Falou de futebol por uma ótima causa!!!
    Hahaha!!
    Particularmente, adoro essa idéia de que nada de ruim pode me acontecer.Vivo isso,por pior que tudo pareca ou esteja.
    Abraco,
    Sonia

    ResponderExcluir