domingo, 19 de dezembro de 2010

O Mal que entra pela boca

Há alguns dias a Folha publicou um estudo dando conta do aumento de consumo pelas famílias recém ingressadas na classe média pelos Anos Lula. Existem evidências de que o aumento de capacidade de compra leva esse grupo a consumir mais açúcares de absorção rápida, também conhecidos como carbohidratos e menos arroz e feijão, peça fundamental de nossa alimentação brazuca há décadas. Parece que vamos passar rapidamente do Fome Zero para o Diabetes Zero como grande programa de segurança alimentar. Outro estudo que eu li recentemente já documenta crianças nascendo com frequência cada vez maior de uma chave genética de propensão à Obesidade. O princípio é fácil de entender: gestantes com uma dieta pobre em fibras e vitaminas e uma dieta cheia de farinha e açúcares, as chamadas calorias vazias, transmitem ao feto a informação de que está faltando comida aqui do lado de fora, o bebê já nasce com um mecanismo poupador de gordura. As mamães que trocam o arroz e feijão pelas bolachas, chocolates e batatinhas fritas mandam uma mensagem falsa aos seus bebês. É como se fosse ativada uma chave genética que diz, cuidado pessoal, está um inverno brabo lá fora e está faltando comida. Vamos juntar gordura. A Medicina, com a sua esperteza habitual, já começa a dosar colesterol de bebês e recomenda a suspensão do uso de leite após os dois anos de idade. Oferecendo menos comida talvez vamos aumentar a obesidade, porque o organismo ainda recebe a informação de que está faltando comida. A Medicina Chinesa trata a maior parte das doenças com orientações dietéticas, o que a nossa Medicina ocidental acha hilariante ou coisa de uma mentalidade pré científica.
Temos então no período pós industrial uma alimentação altamente inflamatória, com alto índice de sal e gorduras e baixo índice de vitaminas e fibras. O aumento das doenças ligadas ao sobrepeso e à Obesidade encontra tratamentos com resultados pífios e cirurgias bariátricas criando talvez mais fome celular. Será que é estranho ler sobre isso num blog de um psiquiatra?
Há décadas que a Psiquiatria e a Medicina colecionam fracassos no tratamentos das Doenças de Adicção. Alcoolismo, Dependências Químicas e agora os Transtornos Alimentares são fronteiras ainda pouco conhecidas com resultados pouco animadores. Em um outro post levantei se estamos numa época de obsessivos, mas podemos estar realmente numa época de compulsões e dependências. Dependemos de açúcares, de guloseimas, de diversão, de trabalho, dependemos mesmo da sensação de que precisamos de algo para ontem. Nossos pools genéticos tentam acompanhar esta correria, o que se traduz por doenças crônicas, oncológicas, autoimunes. Não dá para pisar no freio de uma vez, podemos concordar. Há uma música do Renato Teixeira, linda na voz de Maria Bethânia, que diz: "Penso que viver a vida seja simplesmente/Descobrir o ritmo e ir tocando em frente/Como um velho boiadeiro levando a boiada/Vou levando a vida pela longa estrada eu vou...". Talvez um bom pedaço do trabalho de um bom psiquiatra seja ajudar o paciente descobrir o ritmo para ir tocando em frente, à moda dos boiadeiros levando boiadas. Poruqe não há a menor dúvida de que a correria precisa mudar. Para ontem.

3 comentários:

  1. Simplesmente AMO este blog me faz muito bem as leituras que encontro aqui!
    Obrigada, Boas Festas!

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  2. Profunda e sofrida humanidade escorre deste texto universal

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