domingo, 6 de fevereiro de 2011

Blogstory 1

Perecebeu uma lágrima escondida, dessas de canto de olho.
- Está tudo bem?
Assentiu com acabeça, mas a mordida no lábio a contrariava.
- Pode falar. Eu sei que você está triste.
Baixou os olhos, como querendo ser descoberta em sua dor.
- A minha mãe sempre me diz que se eu pedir alguma coisa com muita força, Deus pode me ouvir.
Continuou ouvindo, delicadamente.
- Eu peço, peço, peço e nada acontece, tia...
As lágrimas começaram a correr mais, um choro doído de se ver.
Deixou o desabafo e o silêncio, como se visse o tempo passando no quarto.
- Vou te contar uma história sobre uma menina que eu conheci, tá bom?
Concordou com os olhos.
- Essa menina tinha um porquinho da índia, um ratinho gordinho de estimação. Ela adorava ir para a casa da sua avó, pois a casa dela era muito grande, com quintal e tudo. O bichinho também gostava de correr no gramado, ela adorava vê-lo cheirando a grama, comendo flor. Só que um dia aconteceu uma coisa muito chata.
Levantou os olhos, interessada.
- O porquinho da índia da menina entrou num buraco, um cano, uma passagem que tinha no quintal. Entrou e não saiu mais. Ela ficou muito tempo chorando e chamando pelo bichinho. Uma idéia horrível passou por sua cabeça: e se o ratinho se perdeu? Ela nunca mais iria vê-lo, ou iria brincar com ele? A menina ajoelhou no gramado e rezou de todo coração. Se o ratinho voltasse, ela nunca mais comia sobremesa, nunca mais deixaria de fazer uma lição de casa, nunca mais iria colocar o dedo no nariz... Por favor, por favor, meu Deus...
- E aí, o porquinho da índia voltou?
- Não, meu bem. O bichinho nunca voltou.
- E o que ela fez?
- Não fez nada. Chorou. Ficou com febre três dias. Nunca mais aceitou um bicho igual. Continuou esperando um tempo, até que esqueceu. Mas depois daquele dia, não acreditou mais que havia um Deus que ouvia os seus pedidos. Nunca mais pediu nada.
- Que história triste.
Sorriu.
- Calma que não acabou.
Olhou, vivamente.
- Um dia, a menina cresceu e entrou na faculdade. Tinha uma aula que ela gostava, com um professor velhinho e bonzinho, mas ela sempre se atrasava na aula dele.
- Por que?
- Porque esse professor sempre começava as aulas com uma oração. Pedia para que as pessoas entendessem a matéria, que todos chegassem bem em casa, que as coisas dessem certo. Ela não gostava nada daquilo.
- Por que?
- Porque achava aquilo tudo uma bobagem. A sala de aula não era lugar para fazer aquilo. Pensou até em reclamar no setor de alunos, mas acabou deixando para lá... Um dia, uma colega sua contou que a sua mãe iria passar por uma cirurgia perigosa, ela estava com muito medo e começou a chorar. O professor deu a mão para ela e pediu para todos rezarem, agradecendo pela cura da mãe de sua aluna. A menina, que agora era uma moça, ficou muito emocionada e pediu, de novo, de coração, para tudo dar certo, para a colega ter a mãe curada...
A menina olhou para ela, com cara de " E aí?".
- Alguns dias depois, na mesma aula, a moça agradeceu a Deus e às pessoas que oraram. A sua mãe estava bem, tinha voltado para casa, estava tudo bem. Todos suspiraram, aliviados, inclusive a menina que tinha virado moça.
- Acabou?
- Acabou o que?
- Acabou a história?
- Não sei se acabou.
- A menina que virou moça voltou a rezar?
- Não.
- Por que?
- Por medo de não ser atendida.
A menina baixou novamente os olhos, num suave entendimento.

Um comentário:

  1. Muito interessante!!No post anterior, "Tite e o colapso", no final, cita a diferenca entre o cerebro com medo e o descontraído, a postura tranquila.Creio sabermos empiricamente o quanto é verdade o peso que o medo tem.
    Na Blogstory1, vemos o medo da irrealizacão, o medo de pedir e de não sermos atendidos.Lidarmos com esta frustracão, com esta situacão.
    Será que sabemos pedir? Quando nem queremos pedir estaremos sendo infantis, despreparados ?Ou seria o contrário?E quando pedimos é comum negociarmos como as criancas, propondo cumprir deveres, perdendo prazeres,só para se obter de Deus o que se quer.Muuuito bom para refletir.Será que sabemos pedir?
    Adorei os dois posts.
    Abraco,
    Sonia

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