domingo, 27 de fevereiro de 2011

A relação Iô Iô

Há alguns anos atrás, melhor nem fazer a conta, dei uma entrevista para uma jovem jornalista que estava concluindo o seu treinamento na Folha Trainee. Não sei por que cargas d´água falávamos de relacionamentos a dois, eu topei falar, já que esse assunto é dos mais presentes em um consultório de psiquiatra e psicoterapeuta (ontem mesmo recomendei a internação de um paciente que vinha bem mas teve a sua psique completamente desestruturada por uma separação). Lá pelas tantas fiz um comentário das relações que ficam quase eternamente nesse vai e volta, termina e volta, acabei chamando esse tipo de relacionamento de Relação IÔIÔ, em alusão ao antiquíssimo brinquedo (que recentemente virou um brinquedo radical e com manobras). O movimento de afastamento e reaproximação do iôiô foi uma imagem forte para esses movimentos de vai e volta das relações. Há dois dias dei a minha terceira entrevista sobre o tema, dessa vez para a revista Gloss para uma compenetrada jornalista, Sílvia Araújo. Não vejo problema em falar sobre o assunto, mas confesso que fico um pouco apavorado de entrar para a história Psi como o descobridor da Relação Iôiô.
Tem um trecho de L. Ron Hubbard, criador da Cientologia, em que ele afirma a incrível capacidade dos seres humanos de localizarem sarnas e mais sarnas para se coçarem. As pessoas precisam de problemas e são viciadas neles, como naqueles cubos mágicos que ficávamos horas tentando decifrar. Os problemas prendem a nossa atenção.
Um bom lugar para arrumarmos problemas insolúveis é a relação a dois. Deixar a tábua do sanitário abaixada ou levantada, notar o novo corte de cabelo ou discutir a relação às duas horas da madrugada são algumas das torturas que podemos construir a dois. Disputa de poder, necessidade de desmistura, busca de oxigênio ou de distância, chantagem pura e simples, todas motivações para os casais que não conseguem ficar juntos nem separados (quando digito isso me ocorre Bono cantando com o U2 - With ou without you/ I can´t live, with ou without you... esticando o yooouuu do final - em tradução livre, eu não vivo com e sem você). Procurar problemas é como uma coceira irresistível, que vai crescendo, crescendo até virar uma briga, uma mágoa, uma acusação boba e infundada. Queremos aceitação. A relação a dois permite ao Outro ver o que temos de melhor e sobretudo, o que temos de pior. Queremos a aceitação de nosso pior sem poder oferecer o mesmo ao parceiro(a). Talvez nas últimas décadas as relações tenham ficado mais guerreiras e os relacionamentos jogos de xadrez verborrágicos e cheios de lenços de papel assoados. Vou terminar o post respondendo com Gilberto Gil para Bono: "O amor da gente é como um grão/ Uma semente de ilusão/ tem que morrer pra germinar". O desencontro pode germinar o encontro (em tradução livre).

2 comentários:

  1. Sensacional , dr.!!!
    E como um grão, pra morrer e germinar, precisa de terra, água,fogo e ar.
    Adorei!!
    Abraco,
    Sonia

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  2. "Relação Terracota" ficaria bem legal e chique. Era o material usado pelos filipinos há milhares de anos atrás para construírem os primeiros ioiôs do planeta !

    Edison

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