domingo, 17 de março de 2013

Pensamentos Reverberantes

Já escrevi nesse blog sobre a minha afinidade com o Dr House, série estrelada por Hugh Laurie durante oito temporadas. Apesar de completamente delirantes do ponto de vista médico, os episódios eram divertidos, instigantes e a capacidade do Dr House de ficar girando o caso em todas as direções até encontrar um salto de entendimento onde um diagnóstico explicava tudo o que estava acontecendo, era muito legal. Em um dos episódios, não lembro em qual temporada, House e sua equipe investigam uma paciente com um traço característico e raro: ela é uma mnemonista, uma pessoa que lembra de detalhes de tudo o que aconteceu em sua vida. A mnemonista em questão estava rompida com toda a sua família, pois lembrava de cada briga, cada frase injusta, cada cena de maus tratos que os pais e sua irmã tinham praticado em sua vida. Sendo uma pessoa com Memória absoluta, ela poderia citar uma briga que tiveram no dia 7 de Outubro de 1996 que terminou com alguma frase muito ofensiva. É lógico que a sua irmã não tinha nenhum traço de memória dessa briga.
Tão importante quanto a nossa capacidade de recordar é a capacidade ainda maior de esquecer, colocar em algum canto esquecido de nossas redes neurais alguns fatos, lembranças que não vem ao caso ou que é melhor deixar de lado. Freud descobriu o efeito destruidor de algumas memórias reprimidas que exerciam um efeito tóxico em nosso comportamento, como um vírus em nossos softwares mentais. Jung agrupou essas memórias em Complexos e descreveu o efeito parasitário desses complexos em nossa vida. As psicoterapias são muitas vezes formas de desenterrar esses softwares defeituosos e construir outros, melhores, mais calcados no aqui/agora, menos relacionados a brigas que tivemos há algumas décadas.
A moça do episódio de House padece do defeito oposto às amnésias neuróticas. Ela não pode se relacionar com ninguém pela sua incapacidade em colocar de lado todas as besteiras, injustiças e impropriedades que cometemos com nós mesmos e com quem vivemos e amamos. A equipe de House vasculha o Cérebro e as suas áreas da Memória para entender se um tumor ou uma cicatriz de alguma infecção estava criando aquela super memória. Não encontram nada. No final do episódio, a sua doença não tem nada a ver com a sua capacidade de memória. A sua capacidade infinita de Memória tem a ver com um quadro obsessivo grave, que a faz ficar revendo, repetindo, reeditando todas as lembranças desagradáveis de sua vida. Um TOC da Memória. House a encaminha para a Psiquiatria, para receber medicamentos para desacelerar esses circuitos neurais reverberantes. A sua Memória deixaria de ser perfeita, mas ela talvez voltasse a se relacionar com seus injustos semelhantes.
Nessas décadas todas de Psiquiatria eu me pergunto como, a despeito de termos avançado uns cinquenta anos em vinte, com um entendimento inimaginável quando eu me formei sobre o Cérebro, os Neurotransmissores, a Psicofarmacologia. Apesar de todas esses recursos e capacidades de intervenção, as pessoas estão cada vez mais loucas, mais aceleradas, mais ansiosas e deprimidas. É como ter uma Ferrari no trânsito de São Paulo. Com certeza, um dos culpados são esses circuitos reverberantes, onde as pessoas passam muito tempo remoendo, reverberando e ruminando os mesmos e disfuncionais pensamentos. Como a personagem de House, a constante repetição desses pensamentos criam pessoas aceleradas, ressentidas, e o que é pior, infelizes em meio a uma farmacopeia rica para aliviar esses sintomas. Como essa personagem temos que dar o passo de deixar para traz esses pensamentos reverberantes. Do contrário, ficamos presos dentro deles, por muitos anos.

3 comentários:

  1. Como é difícil impedir esses pensamentos, tira-los da memória (coração).....
    A coisa mais difícil do mundo é o: let it go....(deixe para lá)
    bjos,
    Lúcia Andrade

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  2. Na verdade respeito mas não concordo com o comentário acima. A coisa mais difícil do mundo não é deixar pra lá e sim, vc aprender a se observar e se autoconhecer a ponto de "compreender" atitudes que não condizem com suas expectativas ( vc não deve criar expectativas e sonhos em cima de outras pessoas pois elas não são responsáveis pelo seu caminho; quem faz seu caminho e suas escolhas é vc e não o outro). A grande verdade é que somos 100% responsáveis por nossas escolhas e o que o outro faz só te atinge se vc quiser e deixar. Vc não tem que guardar na memória algo que te "feriu" e sim, compreender de tal forma que vc passe a enxergar esta experiência como aprendizado e seguir em frente compreendendo aquela situação como parte do seu caminho de aprendizado. Uma ferramenta muito bacana para se autoconhecer é o eneagrama. É um caminho entre tantos outros para descoberta de si e para compreensão do outro. Por que em vez de deixar pra lá ou se sentirem magoadas ( a principio todos nos sentimos assim) não buscam a semente deste sentimento que incomoda... as respostas não estão fora, mas dentro de vc!

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  3. A questão nem sempre é o que fazer mas como...

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