domingo, 8 de setembro de 2013

A Maçã da Discórdia

Tenho falado nesses últimos posts de uma história particularmente cara a esse escriba, que é “A Odisséia”, épico grego escrito por Homero. Falei da jornada arquetípica do herói, Ulisses, distante muitos anos de sua terra natal, onde era rei e feliz com a amada Penélope, mas não o sabia. Nossa mitologia e nossas neuroses são tão helênicas quanto da mitologia bíblica. Ainda hoje tentamos resolver em nossas psiques os dilemas que enfrentaram os gregos. Pouca gente sabe, entretanto, como começou a encrenca que deu origem à Guerra de Tróia e à viagem de Ulisses.
Tudo começou no casamento do mortal Peleu com a deusa do mar, Tétis. Grande acontecimento no mundo da Mitologia. Éris, a deusa da Discórdia, foi barrada no baile. Parece lógico deixar de convidar uma deusa responsável pela discussão, fofoca e separação entre as pessoas, assim como é difícil imaginar uma cerimônia de casamento sem esses componentes. Éris não gostou nada nada de ter sido excluída. A sua vingança foi muito elegante: lançou no meio da festa uma maçã dourada, onde estava escrito: “Para a Mais Bela”. Hera, Athena e Afrodite imediatamente se candidataram a ficar com a maçã dourada. A primeira lição psicológica desse casamento: quando tenta-se reprimir a discórdia, ela volta com o triplo da força, bem no lugar onde menos se desejava. Hera, Athena e Afrodite representam características importantíssimas do Feminino que não podem ser dissociadas: Hera é a Grande Deusa, esposa de Zeus, a deusa do amor conjugal, a mais poderosa das deusas; Athena é a sabedoria, a capacidade de traçar estratégias com serenidade e lógica implacável; Afrodite é o princípio máximo da volúpia, do desejo, da paixão. Quando esses princípios atuam em conjunto, temos o Feminino em seu esplendor. Foi exatamente o que Éris quebrou quando lançou a sua maçã (para quem não sabe, a expressão “pomo da discórdia” deriva dessa passagem mitológica). As deusas, tomadas pelo desejo de possuir a maçã, pedem para Zeus decidir quem era a mais bela. Zeus é o mais poderoso dos deuses olímpicos, o senhor dos raios e trovões, mas não é besta. Não iria se meter em assunto desses. Recusou a tarefa, sabiamente. As deusas escolhem um mortal, o troiano Páris, que bem que tenta se esquivar da tarefa, mas, no final, acabou entrando na gelada. E sua escolha tem grandes implicações para a humanidade, até os nossos dias.
Páris poderia ter escolhido a Grande Esposa, os atributos da mulher companheira, que ajuda a construir a vida ao lado de um homem, se optasse por Hera. Escolhendo Athena, teria ao seu lado a Sabedoria e a Estratégia e poderia ser um rei conquistador e invencível. Mas como resistir à Afrodite? Afrodite ofereceu a Páris a mais bela de todas as mulheres, Helena, belíssima esposa do Menelau, que entrou para a história como corno, mas era um grande general. A escolha de Páris se parece com a escolha de muitos homens, sobretudo de uma certa idade, que trocam a esposa companheira por uma bela e jovem Afrodite. O rapto de Helena deu origem à Guerra de Tróia. Tudo por um rabo de saia.
Até hoje padecemos da escolha de Páris. Ou pior, ainda estamos presos àquela maçã. As esposas se queixam das jovens e peitudas Afrodites caçando seus maridos. As estrategistas e sábias ficam perdidas na selva de superficialidades que é nosso mundo da hipermídia. As pequenas Afrodites ficam perdidas entre lipoesculturas e toneladas de silicone, pois todo o seu poder de atração vai ser varrido pelo tempo. Os três princípios, ou atributos fenotípicos, segundo a Epigenética, quando separados, perdem a sua força e o Feminino acaba virando uma Panicat chacoalhando os quadris diante de câmeras em ângulo ginecológico.
Ulisses vai ter dez anos perdido em mares arquetípicos para encontrar em Penélope a beleza madura, a sabedoria e o companheirismo do Feminino. Ele vai ter que recuperar o estrago feito por Éris e sua maçã.

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