domingo, 1 de setembro de 2013

Mitologias

O mitólogo Joseph Campbell foi a um programa de rádio para falar sobre o assunto de sua vida, a Mitologia e As Mitologias. O entrevistador, um caipira tão bronco quanto metido, saiu falando que os mitos eram histórias da carochinha que não tinham fundo nenhum de verdade. Campbell respondeu ao vivo que a definição estava errada, os mitos falavam de coisas tão verdadeiras e profundas como qualquer relato de nossa vida. O locutor irrompeu quase aos berros, dizendo que eram histórias mentirosas, Campbell bateu boca dizendo que não e eles ficaram vários minutos numa discussão dom tipo: “É mentira!”, “Não é mentira” até chegarem os comerciais. Queria ser uma mosca para estar lá e presenciar essa briga.
Semana passada eu comentei da necessidade que as pessoas tem de transformar a própria experiência numa narrativa. Isso pode ficar dramático na fila do restaurante por quilo, quando o caixa resolve transformar numa longa narrativa a sua saída de casa, pleno Domingão, para participar de um campeonato de bocha, modalidade esportiva da qual é dirigente. Confesso que tive muita vontade de entrar na conversa e lembrar de uma amiga, gaúcha engraçadíssima que acompanhava os torneios de bocha ( uma espécie de Curling dos pobres) do seu marido, com uma camiseta escrita: “Bocha é Adrenalina Pura”. Um protesto singelo das esposas. Acabei me contendo, enquanto o caixa terminava a narrativa interessantíssima sobre o golpe de frio que tomou nas costas durante o torneio de bocha. Qualquer comentário iria atrasar ainda mais a fila e, o que é pior, poderia puxar mais um “causo” e os pacientes esperando no consultório.
O homem é um bicho simbólico. A nossa capacidade de criar narrativas forma também o tecido dos mitos. Nelson Rodrigues dizia que no futebol o replay é burro, pois tira o espaço para a imaginação e a narrativa épica. O Brasil perdeu uma Copa em casa, a de 50, e conta o Mito que o lateral Bigode teria tomado uma tapona na orelha de um destemido uruguaio, sem esboçar reação. Imagino que nada disso aconteceu, mas a imagem mitológica simbolizou a nossa humilhação perante os uruguaios: em pleno Maracanã, levantaram o caneco e ainda ganharam no tapa. Bigode morreu jurando que nunca levou tapa. O que ele não percebeu é que o tal tapa já havia se tornado um mito, e com um mito não se discute. Ele concordaria com o locutor malcriado que dizia ser o mito uma história mentirosa, uma hipérbole da realidade, uma amplificação de nossos heroísmos, nossos medos, nossas vitórias suadas e derrotas mais abjetas. Somos criadores e repetidores de mitos. Vou falar mais sobre isso adiante.

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