domingo, 25 de agosto de 2013

O Sonho do Arquétipo

O jovem psiquiatra Carl Jung tentava dar um nexo aos delírios que os pacientes produziam profusamente no início do século passado. Começou a estudar Mitologias e Religiões de todas as partes do planeta, sem ter ideia de onde iria chegar com aquele estudo. Um paciente segredou a ele que sabia como os ventos eram formados: havia um pênis gigantesco que saía do Sol e balançava, produzindo os ventos. Jung havia lido essa mesma ideia em uma Mitologia Arcaica, das mais antigas de nossa história, que á a Mitologia Mitraica. Não havia como o paciente ter tido contato com aquela mitologia, ele nem sabia de sua existência. Foi dessa experiência que Jung descobriu o que seria chamado de Inconsciente Coletivo, um substrato de ideias e formações psíquicas que comunicam todos os seres humanos. Os mitos representam essas ideias originais, de onde saem as metáforas fundamentais de nossa vida e de nossa visão de mundo.
Uma das coisas que a psicoterapia ainda permite é transformar uma vida em narrativa. O que parece uma sucessão de fatos gerados pelo acaso, ao virar uma narrativa, começa a ter coerência interna. Da narrativa podemos chegar aos mitos geradores, às metáforas de cada vida. Isso anda muito fora de moda. Temos hoje uma terapêutica de resultados: os psiquiatras e os psicoterapeutas saem caçando os sintomas e tentam matá-los às pauladas de medicamentos ou de “intervenções pontuais”, de base comportamental/cognitiva. Lembro de um psiquiatra inglês que foi jantar em meu apartamento de solteiro, que observou que determinado grupo do Instituto de Psiquiatria era tão obcecado pelos sintomas que mal conversava com os pacientes. A perda da narrativa e da dimensão mitológica cria esses monstros. Alguns pacientes não podem abrir mão de suas doenças porque são definidos por elas. Ele não é mais o João, mas um Dependente Químico. Ela não é mais a Luzia, é uma Bipolar II. A Mitologia se desloca para a patologia, e tudo pode ser explicado por um sorteio genético infeliz.
O fato é que ainda somos sonhados pelos mitos, querendo ou não. Há um maravilhoso de Borges, em que um bandoleiro gaúcho é emboscado pelos seus comparsas, sendo esfaqueado por cada um deles. A última facada vem de seu filho de criação, que ele olha com espanto e diz: “Peró, hombre?”, antes de suspirar o último suspiro. Borges termina o conto dizendo que aquela facada ocorreu para que uma cena se repetisse. A alusão é à cena em Júlio César, poderoso Imperador Romano, emboscado no Senado às facadas, olha espantado para seu filho de criação, Brutus, após receber dele o golpe fatal: “Até tu, Brutus?”. Repetimos inconscientemente essas cenas mitológicas. Para quem acha essa conversa junguiana um pouco esquisita, vamos falar de um mito moderno, vivido por Steve Jobs. O filme sobre a sua vida está para chegar e eu já discordo a priori da escalação de Ashton Kutcher para o papel principal, mas esta é outra história. Eu já mencionei esse tema em outro post, mas tudo bem, depois de 400 posts a gente acaba se repetindo um pouco, mesmo.
Steve Jobs, como o Édipo Rei, não conheceu o seu pai biológico e foi dado à adoção por sua mãe, que estava muito ocupada com a sua carreira universitária. O primeiro casal chamado à fila de Adoção curtiu o moleque, mas na última hora preferiu adotar uma menina. O próximo casal era de origem muito simples, a mãe biológica tentou vetá-los. Queria que aquele bebê tivesse uma carreira universitária, como ela. Estranhos caprichos, aliás, está dando o filho para adoção e quer dar pitacos na sua carreira. Os pais de Steve Jobs prometeram que fariam de tudo para levar aquele moleque à Universidade, coisa que cumpriram, mas o jovem Steve, não. Passou seis meses na Faculdade e foi embora, construir computadores na garagem de casa. Com vinte e poucos anos era um dos donos da Apple e tinha alguns milhões de dólares na conta. E sem diploma. Nada mau. Édipo, que significa “Pés Inchados” foi abandonado na montanha para morrer, por ordem de seu pai, Laio. Um oráculo previra que aquele menino iria matar o seu pai e desposar a mãe, Laio resolveu cortar o mal pela raiz (ou pelos tendões, no caso). Édipo foi encontrado com os pés machucados e criado por um casal de camponeses muito simples, que limparam as suas feridas e lhe deram um lar de amor e dignidade. Mas não curaram a sua ferida profunda. Édipo compensou a sua deficiência com uma inteligência brilhante. Foi ela que lhe permitiu derrotar a Esfinge e subir ao trono de Tebas, onde, sem o saber, desposou a sua mãe, a bela Jocasta.Quando descobriu o que ocorreu, arrancou os próprios olhos. Morreu prematuramente, engolido pela terra. Steve Jobs usou a sua inteligência e sua intuição gigantesca para construir, destruir e depois reconstruir a sua empresa e Império. Dizem que confiar demais no seu intelecto ou sua energia foi um dos fatores de sua morte prematura, pois tentou derrotar o Câncer com Meditação e mentalizações. Mal sabia ele que estava morrendo para que uma cena se repetisse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário