sábado, 22 de fevereiro de 2014

Codinome Beijaflor

Então lá vou eu selecionar uma cena de um filme que pouca gente viu e se viu, foi há muito tempo. Isso faz parecer que o autor dessas mal tecladas é muito erudito e vê coisas que as outras pessoas não veem. Sorry. Não é a intenção. O fato é que tenho uma memória de elefante para algumas cenas e algumas falas. Só isso. A cena é de “Vanilla Sky”. Cameron Diaz faz a cena com Tom Cruise. Pergunta a ele o que precisa acontecer para ter seu afeto e, sobretudo, a sua atenção. O carro vai ganhando velocidade. Ele responde daquela forma que os homens fazem, de que ela é especial e está exagerando. Ou foge com alguma evasiva, como os homens fazem quando estão diante de um indício de DR (Discussão de Relacionamento). Ela faz a pergunta mais dolorosa, algo como : “Ontem você ejaculou na minha boca não sei quantas vezes e mesmo assim, isso não tem nenhuma importância, nenhum valor? Nada consegue te tocar?”. O carro vai ganhando velocidade e ele percebe que o assunto está ficando sério. Quando fica claro que ela vai destruir o carro e a vida de ambos, o cara grita desesperado: “Mas eu te amo, eu te amoooo...” É a última coisa que ouvimos antes do barulho das ferragens retorcidas, o carro despencando de um viaduto. Ele vai ficar deformado depois desse acidente e sua vida passa a ser definida por isso, pela busca de escape dessa situação terrível dentro de uma vida virtual.
Ontem ouvi um sonho em que o sonhador vê uma menina (que ele rejeitou em sua vida amorosa) olhando fixamente para ele, causando algum desconforto. Interpretamos que esse olhar refletia um pouco a sua atitude diante da vida, que era ficar fora da cena, contemplando a vida dos outros. Poderia dizer também que esse olhar representa a nossa necessidade vital de ter nossa imagem refletida no olho do Outro, ou da Outra. Lacan descreveu a Fase de Espelho, a fase em que o bebê sabe que existe através do olhar amoroso da Mãe, o primeiro incomensurável Outro de nossa vida. A moça, desesperada e suicida, pergunta para o homem que não vira o Outro o que precisa fazer para sair de seu olhar vazio, de sua fria e calculada indiferença. Essa é a maneira que o homem pós moderno encontrou para vencer a Guerra dos Sexos: transformar a mulher em um objeto de consumo sem rosto. Mesmo um ato de fabulosa intimidade, como ela teve com ele entre lençóis, mesmo isso não tira o seu rosto de um anonimato amoroso, onde ela é objeto do gozo, mas não do olhar do homem que ela busca.
Muitas mulheres vagam pelos divãs e pelas redes sociais se fazendo a mesma pergunta: o que é necessário fazer para ser olhada e, sobretudo, ser vista pelo homem beijaflor, aquele que bica os cálices das flores mas não se detém em nenhuma?
Lacan (esse post está bem lacaniano) chamou essa estrutura de “Objeto a”. Isso significa um estado de busca infinita pelo Objeto de meu desejo. Viver em função se ser para esse objeto, de fazer tudo para capturar esse olhar perdido. Um olhar que pode fazê-la especial. E única. É lógico que esse busca vai terminar em lenços de papel lacrimosos e caixas de chocolate. Ou no carro caindo do viaduto. Mas as luluzinhas perguntam, desesperadas: “Mas o que fazer, então?”. Talvez começar pelo mais difícil, que é olhar para si mesma, e gostar do que viu. Sem colocar no Outro a sua própria existência, ou o direito a ela.

Um comentário:

  1. Grande poeta e filósofo Cazuza sempre com a razão, né Mestre ?

    Continuo te acompanhando pela Internet... Abraços.

    Edison

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