domingo, 23 de fevereiro de 2014

Paz Profunda

No documentário de quatro horas sobre a vida do ex beatle George Harrison, que já citei em alguns posts anteriores desse blog, há uma cena particularmente bonita, em que a sua última esposa e companheira descreve a sensação de plenitude e absoluta paz que desceu sobre o quarto de hospital no momento em que George estava morrendo. Uma sensação profunda de beatitude, como se tudo estivesse certo no mundo, inclusive a sua morte.
O cinegrafista da Bandeirantes do Rio de Janeiro, Santiago Andrade, estava fazendo o seu trabalho, procurando o melhor ângulo para filmar as passeatas na Cidade Maravilhosa, quando um rojão explodiu perto de sua cabeça, causando uma Contusão Cerebral que ceifou a sua vida, alguns dias depois do incidente. Santiago tinha uma filha jornalista, que passou os últimos momentos perto do corpo de seu pai, na UTI, antes do diagnóstico da Morte Cerebral que ratificou a sua morte. Ela deu declaração no dia seguinte, que teve uma despedida linda de seu pai, muito provavelmente sentindo a mesma sensação de paz e de descolamento das aflições e das dores de nossa vida consciente.
Não faz muito tempo assisti uma aula de um Neurobiólogo, em que ele levantava a hipótese de que a ideia de vida depois da morte nasceu já com os primeiros hominídeos que enterravam os seus entes queridos com os seus pertences, para poder usar em sua vida no outro mundo. A própria concepção de um Deus todo poderoso seria, segundo ele, uma fábula que visava proteger os homens do horror da extinção de sua existência e de todas as vivências tidas durante essa vida. Não era possível que tudo isso iria apenas virar poeira. Tinha que haver um lugar para passar a eternidade e separar os bons, de minha tribo, dos maus, da tribo adversária. Esse neurobiólogo provavelmente diria que a vivência de paz e transcendência que essas pessoas experimentaram perto de entes queridos que estavam à beira da morte, não passa de uma projeção de esperança, de que aquela pessoa era muito especial e que seria recebida no outro plano por um coro de anjos.
O fato é que, a despeito de todas essas explicações mais científicas e concretas, acredito que as pessoas que experimentam essa sensação de transcendência, de ultrapassagem de todas as aflições e as obsessões de nosso estado normal de consciência. Uma das situações em que isso pode acontecer é na presença da morte. Acredito que fica um registro de nossa Psique e da amplitude de consciência que conseguimos, ou não, atingir. E que isso sobrevive à extinção de nosso corpo.
Algumas pessoas conseguem, à custa de muita contemplação ou de meditação, atingir em vida essa sensação de ausência de dor e de preocupação, como se houvesse naturalmente uma harmonia profunda em meio ao caos em que vivemos. Acredito que o quarto ficou todo cheio de energia na hora que o espírito de George se desprendeu do corpo. E que a filha de Santiago sentiu a energia do seu pai sendo acolhido em seu leito de glórias. Acredito e não faço questão de convencer ninguém. Só medito e visualizo essas imagens e a luz que elas desprendem para cultivar, com mais ou menos sucesso, essa sensação de paz intensa e de glória em nosso mundo maluco.

Um comentário:

  1. Oi Spinelli,
    O texto é simplesmente lindo!! Vou guarda-lo, pois é de sensibildade profunda.
    Curioso, que esta semana estava conversando com uma amiga que me contou uma situação semelhante: sua prima, com cancer terminal, na hora da morte abraçou o marido e todos que estavam no quarto sentiram uma energia e paz intensa.
    Muito obrigada pelo texto,
    Lúcia

    ResponderExcluir