domingo, 16 de fevereiro de 2014

Run, Baby, Run

Na semana passada dei uma entrevista para uma jornalista amiga, sobre a associação entre Meditação e Exercício Físico. Se ela não fosse amiga e não conhecesse o meu trabalho, nunca teria topado esta pauta, já que não conheço nenhum monge maratonista nem muito menos um queniano que se concentre em posição de lótus antes de ganhar mais uma São Silvestre. O fato é que na minha prática clínica as duas práticas são sempre estimuladas, ainda que não concomitantes: há ótimas e consistentes evidências de benefícios dos exercícios físicos e das técnicas de meditação para os quadros psiquiátricos e praticamente todas as condições clínicas conhecidas encontram benefício nessas práticas. É barato e, quase sempre, seguro. Mesmo assim, é pequena a porcentagem de pacientes que desenvolvem novos hábitos, como fazer corridas ou caminhadas regulares. Fazer meditação e entoar mantras também não parece animar muita gente. Fazer exercícios e meditar, antes e depois, parece uma combinação ainda mais improvável. Mas posso imaginar que muitos atletas de alto nível consigam atingir, antes, durante e depois de suas provas, algo parecido com o estado meditativo de alguns monges taoistas ou budistas.
Gosto sempre de ler sobre histórias da carreira do Pelé, maior gênio que já calçou um par de chuteiras. Quem houve o cidadão Edson Arantes do Nascimento e sua incrível capacidade de falar m... não imagina o que ele era capaz de fazer dentro de um campo de futebol. Reza a lenda que, antes de entrar em campo, o negão, digo, o afrodescendentão, ficava num canto do vestiário, com uma toalha no rosto, deitado em silêncio profundo. Quando acabava esse exercício, que durava menos de meia hora, ele estava preparado para entrar em campo e arrebentar com o jogo. Gostaria muito de entrevistá-lo (Pelé, não Edson) para perguntar sobre esse ritual. Tenho quase certeza que ele desenvolveu a capacidade de entrar em estado de relaxamento e concentração profunda, como uma pessoa treinada consegue após alguns minutos de meditação. Nesse estado, há uma concentração relaxada, permitindo um raciocínio bem mais rápido e uma sintonia fina com os tempos de um jogo: o tempo da bola, do zagueiro adversário, da chegada do companheiro por trás do campo visual. Um estado de prontidão imediata e de raciocínio concomitante, como se pudesse pensar em três ou quatro alternativas do que fazer enquanto a bola viaja em sua direção.
Será que um maratonista consegue atingir esse estado de consciência? Já foi descrito mais de uma vez o “Runner’s High”,ou o barato dos corredores, atribuídos à liberação de neurotransmissores e endorfinas. Nunca corri o suficiente para atingir esse estado de euforia, ou de mente expandida e nem sei se isso é um mito, mas acredito que a sensação exista. Não só exista, como pode ser atingida através dessa concentração profunda em que o corredor não corre, mas é corrido; o corpo, a mente e a corrida são uma coisa só.
Talvez os estudos mais maneiros de se fazer na minha área seriam a dos benefícios da aplicação dos diferentes tipos de Atenção/Concentração em nosso dia a dia, na vida diária ou correndo na pista. Alguns meditadores fazem isso todo dia, com a prática que chamam de Atenção Simples ou de Mente Plena (Mindfullness). Veja como uma pequena ideia de pauta pode levar a nossa reflexão para longe...

Um comentário:

  1. Pelé foi "the best" com a bola nós pés (menos claro para los hermanos) e o "the beast" com o microfone nas mãos.

    Ponto pra vc, Mestre, pra variar !

    Edison

    ResponderExcluir